A Defensora Pública da União (DPU) pediu, nesta terça-feira (18), que a Justiça Federal retome o curso da Ação Civil Pública (ACP), ajuizada há um ano, e determine, em caráter de urgência, a apresentação de estudos técnicos sobre os impactos da exploração de cobre em Craíbas (AL). A instituição sustenta que aguardar que os órgãos envolvidos adotem as medidas efetivas, firmadas em audiência de conciliação realizada em outubro, põe em risco direitos coletivos, em especial, o direito à vida da população residente no entorno da mineradora.
Desde 2021, moradores da região enfrentam rachaduras em residências e poeira no ar, causando problemas de saúde, especialmente em idosos e pessoas com deficiência. Este período coincide com o início das explosões para extração de cobre pela mineradora Vale Verde (MVV). Em uma inspeção judicial em novembro de 2023, a DPU constatou a inadequação da resposta da MVV sobre a situação de um jovem com deficiência afetado pelo barulho. A mineradora propôs apenas um projeto acústico para o quarto do homem, o que foi recusado por ser insuficiente. O pai do jovem precisou alugar outro imóvel sem apoio financeiro da empresa, evidenciando a insensibilidade da MVV aos direitos humanos.
Na manifestação, a Defensoria pede que o Estado de Alagoas e os municípios de Craíbas e Arapiraca contratem pessoa jurídica especializada para o monitoramento das fissuras e rachaduras nos imóveis e providenciem a instalação de equipamentos fixos, com medição contínua, nas proximidades das comunidades afetadas. Os entes também devem realizar vistorias no local e apresentar estudos sobre todas as edificações afetadas, com apresentação de relatório técnico, georreferenciamento da área atingida, fotos e identificação das características relevantes dos imóveis, além de cadastramento dos grupos familiares prejudicados.
Ao município de Craíbas também foi solicitado vistorias mais apuradas em cerca de 70 casas, nas quais foram detectadas rachaduras significantes pela Defesa Civil do Estado. Em caso de riscos de desabamentos ou desmoronamentos totais ou parciais, o município deve realizar a interdição dos imóveis, bem como declarar situação de emergência ou de calamidade, se for necessário.
A DPU solicita à Justiça determinação para que, com o financiamento da mineradora, o Instituto de Meio Ambiente do Estado de Alagoas (IMA/AL) possa contratar a proposta de estudo técnico mais completa, apresentada no processo pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Além disso, o órgão estadual deve contratar estudos da Universidade Federal de Alagoas (UFAL) para avaliar possível contaminação dos rios Traipu e Salgado.
O defensor regional de direitos humanos em Alagoas, Diego Martins Alves, também pede que a mineradora Vale Verde estruture, com materiais, tecnologia e equipe, a Defesa Civil do município de Craíbas e da vizinha Arapiraca para que os órgãos tenham condições de acompanhar os riscos ligados à atividade. A empresa deve ainda ser impedida de realizar proposta de compra e venda de imóveis do entorno, sem considerar a desvalorização do imóvel por influência da sua própria atividade e sem computar indenização por dano moral, até que sejam concluídos e publicados os estudos técnicos.
Para o defensor, a produção de estudos por instituições e órgãos públicos poderia sanar dúvidas e reduzir o sofrimento da comunidade, que não pode contratar profissionais para a elaboração de laudos técnicos particulares.
Primeiras tentativas de solução
Os relatos de danos chegaram pela primeira vez à DPU em fevereiro de 2022. Inicialmente, a Defensoria buscou informações com os órgãos que têm relação com a atividade e com a proteção da população, como o Serviço Geológico do Brasil (CPRM) e a Defesa Civil nacional, estadual e municipal de Craíbas.
As respostas recebidas comunicaram a inexistência de estudos técnicos públicos sobre o impacto da atividade e a impossibilidade de realizá-los. As alegações foram de falta de orçamento ou equipe especializada. A Agência Nacional de Mineração (ANM) listou apenas os relatórios produzidos pelas consultorias contratadas pela própria mineradora, os mesmos que serviam de base para o acompanhamento da Defesa Civil de Craíbas.
Em junho de 2022, a DPU emitiu recomendação à Defesa Civil Nacional, à ANM, CPRM e IMA-AL para que realizassem os estudos. Todos os órgãos responderam de forma negativa: informaram que não tinham atribuição para produção dos laudos ou que faltavam materiais e equipe técnica.
Ação Civil Pública e Inércia dos Órgãos
Sem avanços na via administrativa, o defensor ajuizou, há um ano, a ACP para obter os laudos com a indicação dos danos existentes, dos responsáveis, da extensão do problema, assim como eventuais formas de solução. Em outubro, foi realizada uma audiência de conciliação, na qual ficou determinada a elaboração de um cronograma de ação, em eixos, para análise e identificação exata do problema e dos seus responsáveis.
A CPRM chegou a apresentar um estudo no qual identificou algumas áreas de risco médio, com imóveis mais afetados em Lagoa do Mel, Torrões, Umbuzeiro e Pichilinga. O órgão federal recomendou que as áreas fossem acompanhadas pelo município e afirmou não ser possível correlacionar os danos registrados nas moradias às características geológicas e geotécnicas da região ou ao padrão construtivo dos imóveis.
Já a Defesa Civil de Alagoas apontou que precisava de informações básicas, de responsabilidade da Prefeitura de Craíbas, como quais residências existiam indícios de danos. Segundo o órgão estadual, só a partir desses dados é possível fazer um mapeamento para que o IMA possa georreferenciar a área.
Com a inércia e demora na execução dos trabalhos, o defensor avalia que o que foi acordado na audiência de conciliação não vem sendo cumprido. Entre os problemas, ele destaca a demora do município no cumprimento das suas obrigações em relação aos eixos definidos e a falta de reuniões entre as Defesas Civis.
Outro ponto destacado por Alves na manifestação é o montante recebido pelo município de Craíbas a título de Compensação Financeira pela Exploração Mineral (CFEM) em virtude da atividade exercida pela mineradora na região. De acordo com dados divulgados pela Agência Nacional de Mineração (ANM), o valor arrecadado pela empresa totaliza R$ 41.733.790,72, sendo 60% distribuído ao município. Parte desse valor deveria ser gasto em fiscalização.
“Passados oito meses desde a audiência de conciliação, realizada em 10/10/2023, e um ano desde o ajuizamento da ACP, a DPU entende que a fase de autocomposição não produziu resultados satisfatórios para viabilizar a proteção da vida e integridade física dos moradores residentes no entorno da mineradora Vale Verde”, destacou o defensor em um trecho do documento.
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