Em uma decisão que reacendeu o debate sobre o poder da imunidade parlamentar e os limites da liberdade de expressão no Congresso, a Câmara dos Deputados aprovou, na noite de quarta-feira (15), por 268 votos a favor e 167 contra, a suspensão da ação penal que tramita no Supremo Tribunal Federal contra o deputado Gustavo Gayer, do PL de Goiás. A resolução, transformada em Resolução 30/25, será formalmente comunicada ao STF e deve interromper o andamento do processo durante o mandato do parlamentar — desde que ele permaneça no cargo, o caso não será julgado pela Suprema Corte.
O pedido partiu do próprio partido de Gayer, o PL, e teve como base a prerrogativa constitucional que permite à Câmara decidir, em até 45 dias após ser notificada, se autoriza ou susta o prosseguimento de ações penais contra seus membros. O parecer do relator, deputado Zé Haroldo Cathedral (PSD-RR), defendia a suspensão sob o argumento de que a Constituição assegura liberdade de expressão aos parlamentares e de que, no caso específico, não foram comprovadas as práticas de calúnia, injúria e difamação alegadas contra Gayer.
O processo tem origem em um vídeo publicado pelo deputado em fevereiro de 2023, em que Gayer criticou, com termos ofensivos, o então senador Vanderlan Cardoso, ao chamá-lo de “vagabundo” e afirmar que ele “virou as costas para o povo em troca de comissão”. As declarações foram também dirigidas ao ex-presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, ao atual presidente, Davi Alcolumbre, e ao próprio STF. Vanderlan Cardoso, atualmente licenciado do mandato, moveu a ação no Supremo, e, após a queixa-crime ser aceita pela 1ª Turma – sob relatoria do ministro Alexandre de Moraes –, Gayer tornou-se réu. O caso estava em fase de alegações finais quando a Câmara decidiu pela sustação.
O plenário seguiu o relatório aprovado na semana anterior pela Comissão de Constituição e Justiça, mas a sessão não foi isenta de controvérsia: o relator optou por não ler seu parecer em plenário, evitando constrangimentos, e a base governista protestou contra o que considerou falta de transparência na condução do caso. O presidente da Casa, Hugo Motta, validou a decisão e permitiu a votação sem a leitura do relatório, mantendo o parecer aprovado na CCJ.
A votação refletiu a polarização do cenário político: o PL, partido de Gayer, e aliados manifestaram amplo apoio à suspensão, enquanto PT e PSOL se posicionaram majoritariamente contra. Partidos do centrão, como União Brasil e PSD, apresentaram votos divididos.
Vale lembrar que a decisão da Câmara não implica arquivamento ou extinção da ação penal, apenas sua suspensão até o fim do mandato do deputado. Se Gayer não se candidatar ou não for reeleito, o processo poderá ser retomado normalmente pelo STF. Esta é a segunda vez neste ano que a Casa exercita essa prerrogativa constitucional: em maio, uma parte do processo contra o deputado Alexandre Ramagem (PL-RJ), também no STF, já havia passado pelo mesmo procedimento.
A decisão da Câmara reabre discussões sobre a necessidade de equilíbrio entre a imunidade parlamentar – criada para proteger os legisladores contra perseguições políticas – e o direito de resposta de cidadãos, ocupantes de cargos de representação, ao serem ofendidos em razão do exercício da função. Para Gayer, a aprovação significa um alívio imediato no âmbito judicial, mas, do ponto de vista político, reforça o debate sobre o uso de prerrogativas constitucionais no contexto de ataques à honra no ambiente público.
