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Meio século após sua morte, Herzog tem legado preservado em filme e IA

Há exatos cinquenta anos, o Brasil mergulhava num dos episódios mais emblemáticos da resistência à ditadura militar. Vladimir Herzog, Vlado, diretor de Jornalismo da TV Cultura, professor universitário e referência no jornalismo público, apresentou-se voluntariamente ao DOI-Codi, centro de repressão militar em São Paulo, para prestar depoimento. Foi preso sem ordem judicial e, após horas de tortura, foi assassinado pelo Estado em 25 de outubro de 1975. A versão oficial da época, de suicídio, foi prontamente desmentida pelo histórico de violência do local, pelas inconsistências das provas forjadas e pelo testemunho de seus colegas, que compartilharam com ele a cela naquele dia. A cena cenográfica do corpo enforcado, com os pés tocando o chão e um cinto que os presos sequer portavam, tornou-se símbolo do cinismo e da brutalidade do regime.

Naquele 1975, o país vivia sob censura, repressão política e arbítrio, mas a morte de Vlado rompeu barreiras de medo e apatia social. Herzog era um profissional reconhecido, carismático e pai de família, cuja morte chocou não apenas a classe jornalística, mas toda a sociedade, despertando um sentimento coletivo de indignação. Uma semana após a sua morte, cerca de oito mil pessoas se reuniram num ato ecumênico na Catedral da Sé, em plena vigência do autoritarismo, marcando um dos maiores atos públicos de resistência desde o golpe de 1964. A cerimônia, liderada pelo cardeal Dom Paulo Evaristo Arns, ecoou por todo o país e tornou-se símbolo da luta por direitos humanos, liberdade e justiça.

Meio século depois, o legado de Vlado segue vivo não só na memória, mas em iniciativas concretas de preservação de sua história e da democracia. Neste 25 de outubro de 2025, a TV Cultura estreia o documentário “A Vida de Vlado – 50 anos do Caso Herzog”, que reúne imagens inéditas, documentos e depoimentos de quem conviveu com o jornalista. O filme retrata não apenas o crime, mas também o homem por trás do símbolo: suas aspirações, seu trabalho e as marcas deixadas entre familiares, amigos e colegas. O lançamento ocorreu na 49ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, com uma foto inédita de Vlado ao lado da esposa e dos filhos, dias antes de ser assassinado. O documentário destaca ainda filmagens raras do culto ecumênico na Catedral da Sé e do descerramento de seu túmulo, unindo memória pessoal e coletiva.

A homenagem vai além do audiovisual. Uma intervenção permanente batizada de Calçadão do Reconhecimento será inaugurada na Praça Memorial Vladimir Herzog, no centro de São Paulo, com os nomes de todos os vencedores do Prêmio Jornalístico Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos, um dos mais importantes do país na defesa da democracia. Entre os homenageados, destaca-se o conjunto dos trabalhadores da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), reconhecidos por sua resistência à censura e ao governismo durante o governo Bolsonaro. Além disso, o Instituto Vladimir Herzog lançou uma ferramenta de inteligência artificial que simula respostas na voz de Vlado, baseada no acervo de suas produções, projetando suas ideias e princípios para o debate público contemporâneo.

Passados 50 anos, o assassinato de Vladimir Herzog segue como um marco na luta contra o autoritarismo e pela democracia. O esforço para oficializar o 25 de outubro como Dia Nacional da Democracia mostra como seu exemplo permanece atual, lembrando que democracia, justiça e memória dependem de vigilância e mobilização constantes. Vlado não foi vítima somente de um crime de Estado; tornou-se símbolo da capacidade da sociedade civil de, mesmo sob repressão, buscar a verdade e a reparação. Em tempos de ameaças aos direitos fundamentais, sua história serve de alerta e inspiração para que a democracia nunca mais seja silenciada.

Fonte: Agência Brasil – Matéria Original (Clique para ler)