A morte de Dick Cheney, anunciada nesta terça-feira pela família, marca o fim da trajetória de um dos políticos mais controversos e influentes da história recente dos Estados Unidos. Vice-presidente entre 2001 e 2009, Cheney foi uma figura central na resposta americana ao 11 de setembro, no lançamento da chamada “guerra ao terror” e, principalmente, na decisão de invadir o Iraque em 2003 – conflito que, duas décadas depois, permanece como um dos atos mais polêmicos e debatidos da política externa norte-americana.
Nascido em 1941 em Lincoln, Nebraska, e criado principalmente em Wyoming, Cheney construiu carreira no Partido Republicano com passagens pelo Congresso, pela Casa Branca e pelo Departamento de Defesa. Antes de ser escolhido por George W. Bush como vice-presidente, já havia sido secretário de Defesa durante o governo de George H. W. Bush, comandando a Guerra do Golfo em 1991, um dos maiores sucessos militares dos EUA no pós-Guerra Fria. Sua imagem de gestor duro e pragmático foi decisiva para sua escolha como vice, especialmente em um momento de incerteza para um candidato pouco experiente em política nacional.
Nos oito anos à frente da vice-presidência, Cheney foi muito mais do que um mero conselheiro. Ele trabalhou ativamente para expandir o poder do Executivo, acreditando que o cargo presidencial havia perdido força política desde o escândalo de Watergate. Em seus anos no poder, estabeleceu um gabinete do vice-presidente que, em muitos momentos, agiu como uma unidade autônoma dentro do governo, especialmente em questões de segurança nacional e energia. Conhecido por sua discrição e lealdade — características que marcaram sua relação com Bush —, Cheney também era visto como um dos principais responsáveis por conduzir, nos bastidores, decisões centrais do governo.
O episódio mais emblemático de sua vida pública foi, sem dúvida, a defesa veemente da invasão do Iraque. Cheney foi um dos porta-vozes mais incisivos do governo sobre a ameaça representada por Saddam Hussein e, sobretudo, sobre a existência de supostas armas de destruição em massa no país — armas que jamais foram encontradas. A falta de evidências sólidas para justificar a guerra, somada à duração do conflito e à instabilidade gerada no Oriente Médio, fizeram de Cheney um dos políticos mais criticados do país. Apesar de ter sido uma voz poderosa nos círculos governamentais, sua aprovação chegou a níveis historicamente baixos após deixar o cargo.
Cheney também protagonizou debates internos no governo sobre métodos de interrogatório de suspeitos de terrorismo, defendendo práticas consideradas por muitos como tortura, o que gerou atritos com figuras como Colin Powell e Condoleezza Rice. Na defesa dessas práticas, defendia que eram necessárias para proteger a segurança nacional, mesmo diante de críticas severas de organizações internacionais e de parte da opinião pública americana.
Sua influência foi além da política externa. Cheney presidiu o grupo de política energética da Casa Branca, acusado de favorecer grandes corporações do setor, especialmente em um momento em que o país buscava garantir o acesso a petróleo em regiões estratégicas. Sua passagem pela Halliburton, empresa do setor de energia, antes de assumir a vice-presidência, reforçou essas críticas.
Curiosamente, apesar do perfil conservador radical – que o fez ser reconhecido, por exemplo, como um dos maiores incentivadores do apoio americano a guerrilhas anticomunistas nos anos 1980 –, Cheney surpreendeu ao apoiar o direito ao casamento entre pessoas do mesmo sexo. Esse posicionamento, pouco comum em sua base política, é um exemplo da complexidade de sua trajetória.
Nos últimos anos, Cheney manteve-se ativo no debate público e, ao contrário de muitos republicanos, foi um crítico aberto de Donald Trump, chegando a declarar que, em 2024, votaria em Kamala Harris, candidata democrata à presidência. Sua filha, Liz Cheney, seguiu carreira política e também se distanciou de Trump após os eventos do 6 de janeiro, o que ajudou a abrir uma cisão interna no partido entre defensores e opositores do ex-presidente.
A saúde de Cheney sempre foi frágil. Ele sofreu o primeiro de muitos infartos aos 37 anos, passou por cirurgias cardíacas e recebeu um transplante de coração em 2012. Morreu devido a complicações de pneumonia e problemas cardiovasculares, deixando um legado marcado tanto pelo poder quanto pela polêmica. Amado por alguns como símbolo de firmeza em tempos de crise, odiado por outros como responsável por decisões que levaram a perdas humanas e desestabilização global, Cheney foi um dos últimos símbolos de uma era de intervencionismo militar e expansão do poder presidencial nos Estados Unidos — uma era cujos efeitos ainda reverberam na política mundial.

