Em 2024, a polícia matou em média 11 pessoas por dia em nove estados brasileiros, sendo que pelo menos oito dessas vítimas eram negras, revela o boletim Pele Alvo, divulgado pela Rede de Observatórios da Segurança. Os estados analisados — Amazonas, Bahia, Ceará, Maranhão, Pará, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro e São Paulo — registraram um total de 4.068 mortes decorrentes de intervenções policiais, das quais 3.066 corresponderam a pessoas pretas ou pardas. O levantamento ressalta que em mais de 500 casos não havia registro da cor ou raça da vítima. Comparativamente, em 2023, ocorreram 4.025 mortes nessas unidades da federação.
A pesquisa aponta uma profunda disparidade racial: pessoas negras têm 4,2 vezes mais chances de serem mortas pela polícia do que pessoas brancas. Na Bahia, por exemplo, a taxa de mortes policiais entre pessoas negras foi de 11,5 a cada 100 mil habitantes, enquanto para brancos esse indicador foi de 2 por 100 mil. O Pará apresentou taxa de mortalidade policial para pessoas negras de 8,1/100 mil, contra 3,2 para brancos. No Rio de Janeiro, o índice foi de 5,9 para negros e pardos, contra 1,3 para brancos. Em todos os estados pesquisados, a proporção de pessoas negras entre os mortos supera em muito a proporção dessas populações nos respectivos estados. No Rio, onde 57,8% da população é preta ou parda, essas pessoas representaram 86,1% das mortes provocadas pela polícia, enquanto na Bahia, com 79,7% da população negra, a taxa entre os mortos foi ainda maior, 95,7%.
Além do aspecto racial, o boletim destaca que mais da metade das vítimas são jovens entre 18 e 29 anos — 57,1% do total, o que equivale a 2.324 pessoas. Também foram registradas 297 mortes de adolescentes entre 12 e 17 anos, um aumento de 22,1% em relação ao ano anterior. Segundo a pesquisadora Francine Ribeiro, da Rede de Observatórios da Segurança, esses números refletem um modo de atuação policial que privilegia o enfrentamento letal, sem investimentos adequados em políticas de prevenção ou articulação com outros setores sociais. Isso cria um cenário de “modo guerra”, em que a justificativa do combate ao tráfico e ao crime serve para sustentar práticas que, sem uma abordagem estruturada de prevenção, tendem a manter ou até agravar os índices de violência letal.
Embora no âmbito nacional as mortes violentas intencionais tenham apresentado uma queda de 6,3% em 2024, especialmente nos homicídios dolosos que totalizaram 35.365 casos, as mortes provocadas por intervenções policiais permanecem expressivas e desiguais. Em números gerais, o Brasil teve mais de 6.000 mortes por ações policiais em 2024, com os estados da Bahia, São Paulo, Rio de Janeiro, Pará e Paraná concentrando mais de 65% desses casos. A violência também afeta os próprios agentes de segurança, cujas mortes cresceram 33,8% no ano, totalizando 170 ocorrências, incluindo confrontos e suicídios.
Esses dados evidenciam um grave problema estrutural na segurança pública brasileira, em que a letalidade policial permeia as desigualdades raciais e etárias, desafiando políticas que busquem redução da violência e fortalecimento dos direitos humanos de populações negras e jovens, especialmente nas regiões mais impactadas.

