# Protesto Indígena na COP30: Munduruku Conquistam Compromisso do Governo Federal sobre Hidrovia no Tapajós
Cerca de 90 indígenas da etnia Munduruku bloquearam a entrada principal da Zona Azul da COP30 em Belém na manhã de sexta-feira, 14 de novembro, em um protesto pacífico que teve duração de aproximadamente uma hora. O acesso ao local onde ocorrem as negociações oficiais da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas ficou interrompido enquanto dezenas de manifestantes impediam a passagem de delegações, com reforço do exército convocado para garantir a segurança da área.
Os indígenas Munduruku, que vivem principalmente nos estados do Amazonas, Mato Grosso e Pará, exigiam uma reunião com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a revogação do Decreto nº 12.600/2025, que autoriza a privatização de empreendimentos hidroviários nos rios Madeira, Tocantins e Tapajós. Além disso, reivindicavam o cancelamento do projeto da Ferrogrão, ferrovia planejada entre Mato Grosso e Pará para escoamento de produção agrícola, e a aceleração na demarcação de terras indígenas. Com cartazes em defesa do território Munduruku, os manifestantes criticavam a invasão e o desrespeito aos seus direitos, alertando que esses projetos ameaçam exterminar seu modo de vida ao transformar os rios em “estradas de soja”.
Os líderes indígenas denunciavam também a atuação de mineradoras em terras demarcadas, a contaminação de rios com mercúrio decorrente da extração ilegal e as negociações de créditos de carbono que, segundo eles, têm o objetivo real de suprimir as aldeias sob o pretexto de remunerar as tribos. O protesto contou com apoio de ativistas e povos indígenas de outros países, reforçando a dimensão internacional da luta pelos direitos territoriais e ambientais.
Após a manifestação, os indígenas foram recebidos pelo presidente da COP30, embaixador André Corrêa do Lago, além das ministras Marina Silva (Meio Ambiente e Mudança do Clima) e Sônia Guajajara (Povos Indígenas). Durante esse encontro, a ministra Guajajara esclareceu que o território Sawré Muybu já teve sua portaria assinada pelo ministro Ricardo Lewandowski e que a Funai está contratando empresa para iniciar a demarcação física. O território Sawré Ba’pim, por sua vez, integra o pacote de terras que aguarda assinatura de nova portaria declaratória pelo Ministério da Justiça, com promessa de avanço até o final daquele ano.
O protesto dos Munduruku resultou em conquistas concretas. No domingo, 16 de novembro, durante o encerramento da Cúpula dos Povos, o ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Guilherme Boulos, anunciou que o governo federal realizará uma consulta livre, prévia e informada a todos os povos indígenas do Rio Tapajós sobre o projeto de hidrovia na região, antes de implementar qualquer projeto no rio. Boulos ressaltou que será criada uma mesa de diálogo em Brasília para receber representantes indígenas e construir soluções conjuntamente.
O ministro afirmou ter conversado por telefone com o presidente Lula e o ministro da Casa Civil, Rui Costa, pouco antes de chegar ao encerramento da Cúpula, confirmando o compromisso do governo com a consulta. Boulos também declarou que o governo pretende avançar na demarcação de terras indígenas até o próximo ano, reforçando o compromisso da administração federal com a Amazônia e os movimentos sociais.
Durante seu discurso, Boulos defendeu a importância das manifestações para a efetividade da COP30, argumentando que a presença de protestos é sinal de participação popular. “Se tem manifestação na COP, é sinal que o povo está participando da COP. E é isso que a gente quer”, afirmou o ministro, reconhecendo que a Cúpula dos Povos, integrada por povos indígenas, quilombolas e ribeirinhos da Amazônia, representou com excelência a participação e a voz do povo na conferência climática.
A Cúpula dos Povos, que funcionou em paralelo à COP30, reuniu aproximadamente 70 mil pessoas de movimentos sociais, povos originários, camponeses, quilombolas, pescadores, trabalhadores urbanos, sindicalistas, mulheres, jovens e comunidades LGBTQIAPN+. O evento, que começou na quarta-feira, 12 de novembro, e se estendeu por cinco dias, foi considerado o maior espaço de participação social da conferência climática.
No encerramento da Cúpula, foi divulgada uma carta final que critica o que os participantes classificam como “falsas soluções” para o enfrentamento da emergência climática. O documento ressalta que a visão de mundo dos movimentos está orientada pelo internacionalismo popular, com intercâmbios de conhecimentos e saberes que constroem laços de solidariedade e cooperação entre povos. A carta aponta o modo de produção capitalista como causa principal da crise climática, destacando que as comunidades periféricas são as mais afetadas pelos eventos climáticos extremos e pelo racismo ambiental.
O texto identifica empresas transnacionais, especialmente das indústrias de mineração, energia, armas, agronegócio e Big Techs, como principais responsáveis pela catástrofe climática. A carta demanda a demarcação de terras indígenas, reforma agrária, fomento à agroecologia, fim do uso de combustíveis fósseis, financiamento público para transição justa com taxação de corporações e dos mais ricos, além de fim das guerras e maior participação dos povos nos processos de decisão.
O projeto de hidrovia no Tapajós está previsto para ocorrer na região onde o rio se forma pela confluência dos rios Teles-Pires e Juruena, uma área que reúne alto potencial hidrelétrico, presença de terras indígenas, unidades de conservação e conexão com o Mato Grosso, principal produtor de grãos do país, facilitando o escoamento agrícola pelo Arco Norte. Estudos preliminares do DNIT mostram que dragagens corretivas e aprofundamento do canal poderiam permitir navegação de cabotagem e longo curso, aumentando significativamente o fluxo de embarcações pela região.
O protesto dos Munduruku, que havia começado na quinta-feira, 13 de novembro, com discursos em frente à sede da COP30, marcou uma presença forte dos povos indígenas na conferência climática. A mobilização conquistou o reconhecimento oficial de que seus atos são legítimos, conforme declarou a presidência do evento, e demonstrou que a participação social organizada pode resultar em compromissos governamentais concretos sobre questões que afetam diretamente os territórios e o modo de vida das comunidades originárias da Amazônia.

