Aos 80 anos, Adélia Sampaio é uma referência histórica no cinema brasileiro, reconhecida como a primeira mulher negra a dirigir um longa-metragem no país, marco que ocorreu em 1984 com o filme “Amor Maldito”. Essa obra ousada e pioneira retratou um romance entre duas mulheres em plena ditadura militar, enfrentando censura, machismo e total ausência de financiamento oficial. A trajetória de Adélia é marcada por uma vida de rupturas e coragem, que inspira e influencia a produção cultural contemporânea no Brasil.
Nascida em Belo Horizonte, Minas Gerais, a cineasta viveu uma infância difícil, tendo sido criada em um abrigo no interior do estado, distante da percepção inicial da existência do cinema. Sua ligação com a arte começou só após retornar ao Rio de Janeiro, incentivada por sua irmã, que a levou pela primeira vez ao cinema aos 13 anos para assistir a “Ivan, o Terrível”, de Sergei Eisenstein, evento decisivo que marcou seu desejo de trabalhar na sétima arte.
Entrou no cinema nos anos 1960 como recepcionista na Difilm, produtora ligada ao movimento Cinema Novo, uma escola de cinema brasileiro revolucionária e engajada. Lá acumulou diversas funções — maquiadora, continuísta, câmera, montadora e produtora — aprendendo na prática e se formando como cineasta pela persistência e improviso. Aos 22 anos dirigiu seu primeiro curta, “Denúncia Vazia” (1979), feito sem recursos, mas apoiado por uma rede de confiança dentro do meio cinematográfico.
O longa “Amor Maldito” surge num contexto de grande desafio: em meio à censura da ditadura militar, seu roteiro inspirado em um caso real expôs o preconceito social contra um relacionamento lésbico, tema inédito e polêmico para a época. Sem apoio financeiro da Embrafilme, a cineasta contou com o esforço cooperativo de atores, técnicos e amigos para viabilizar o projeto. Para garantir a exibição do filme, aceitou a classificação estigmatizante de pornochanchada, decidido a romper barreiras e disseminar sua obra.
Sua história representa uma resistência múltipla: por ser mulher, negra e cineasta no Brasil, enfrentando um meio dominado pelo patriarcado e pelo racismo estrutural. Ao assumir o controle narrativo e a autoria de sua obra, Adélia Sampaio não só criou um marco artístico e político, como também abriu caminho para outras mulheres negras na cultura audiovisual nacional. Sua coragem, humor e firmeza transformaram sua voz em um instrumento essencial na construção de um cinema negro feminino brasileiro, aguardando ainda maior reconhecimento e espaço na historiografia do cinema nacional.

