A Região Metropolitana do Rio de Janeiro enfrenta um cenário de reorganização territorial do crime organizado, com cerca de 4 milhões de pessoas vivendo sob controle ou influência de grupos armados em 2024. Esse número representa 34,9% da população e 18,1% da superfície urbanizada habitada, segundo o mais recente Mapa Histórico dos Grupos Armados, elaborado pelo Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos (GENI/UFF) e pelo Instituto Fogo Cruzado. Entre 2007 e 2024, a área submetida a algum tipo de domínio armado cresceu 130,4%, enquanto a população nessa condição aumentou 59,4%, evidenciando que o domínio armado se tornou parte estrutural da cidade, refletindo diretamente as fragilidades do Estado.
O estudo diferencia “controle”, quando há extração de recursos, imposição de normas e sustentação pela força, de “influência”, situação de domínio parcial ou intermitente. Em 2024, 14% da área urbanizada e 29,7% da população da região metropolitana viviam sob controle direto dos grupos armados, enquanto outros 4,1% do território e 5,3% dos moradores estavam sob influência. O crescimento acumulado desde 2007 é de 98,4% em áreas controladas e 420,1% em áreas sob influência, mostrando uma expansão significativa ao longo dos anos.
A série identifica dois grandes ciclos: a “grande expansão” entre 2016 e 2020, período marcado pela falência fiscal do Estado, o desmonte das Unidades de Polícia Pacificadoras (UPPs) e a intervenção federal, quando a superfície dominada cresceu 31,6%. A partir de 2020, o estudo registra uma “retração gradual”, puxada principalmente pelo enfraquecimento das milícias após operações do Ministério Público, disputas internas e perda de lideranças. No entanto, o recuo é modesto, com 7,1% de redução da superfície sob controle ou influência.
O relatório analisa duas estratégias distintas: a colonização, ocupação de áreas ainda não dominadas, típica da expansão miliciana, e a conquista, tomada violenta de territórios já controlados, dinâmica mais frequente entre facções. Áreas de urbanização recente tendem a ser colonizadas, enquanto regiões densas e consolidadas são locais de disputas. Segundo a diretora executiva do Instituto Fogo Cruzado, Cecília Olliveira, essa mudança de “colonizar” para “conquistar” tem um custo social alto, com mais tiroteios, insegurança e medo para a população dessas áreas.
Em 2024, as milícias lideravam em extensão territorial, com 49,4% da área sob domínio armado (201 km²), enquanto o Comando Vermelho (CV) dominava mais pessoas: 1,607 milhão, equivalente a 47,2% da população sob controle. O CV mantém hegemonia no Leste Fluminense (98%) e avança na capital, especialmente após conquistas sobre territórios antes controlados pela facção Amigos dos Amigos (ADA), como Rocinha e Vidigal. A Baixada Fluminense registra crescimento acelerado simultâneo de milícias, CV e Terceiro Comando Puro (TCP), tornando-se uma área de disputa intensa.
Na capital, 31,6% da área urbanizada e 42,4% dos moradores estão sob controle ou influência, com predominância miliciana na Zona Oeste, que concentra cerca de 65% do território urbanizado da cidade. A partir de 2020, o estudo registra perda de território pelas milícias na região, abrindo caminho para CV, TCP e remanescentes do ADA. Na Zona Norte, milícias e CV alternaram posições na hegemonia territorial, com leve vantagem do CV em termos populacionais. Nos últimos anos, o TCP ganhou força na região, tornando-a uma das mais disputadas da cidade.
A desigualdade estrutural aparece como eixo central do relatório. A renda média per capita em áreas controladas da região metropolitana é de R$ 1.121, contra R$ 1.658 nas áreas livres. Na capital, a diferença é ainda maior: renda média de R$ 1.267 nas áreas controladas, contra R$ 3.521 nas áreas livres. A proporção de moradores não brancos (pretos, pardos e indígenas) chega a 69,1% nos territórios dominados, em comparação com 55,2% nas regiões não controladas. Na Zona Sul e no Centro da capital, o contraste é ainda mais acentuado: 68,3% de não brancos nas áreas sob domínio, contra 25,9% nas demais.
O Mapa 2025 sustenta que o domínio armado não é uma anomalia isolada, mas parte do modo de funcionamento e organização da metrópole. A estabilidade do CV e o poder econômico das milícias mostram que operações policiais têm alcance limitado quando não são acompanhadas de políticas contínuas de redução de desigualdades, regulação dos mercados urbanos e fortalecimento institucional. Segundo os autores, enfrentar o problema exige mais do que ações emergenciais: requer políticas que ataquem simultaneamente renda, território, racismo estrutural, mercados urbanos e as próprias instituições encarregadas de garantir direitos — e que muitas vezes aprofundam, por omissão ou conivência, as desigualdades que sustentam o domínio armado.

