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Acervo sobre cultura afro-brasileira é doado ao Arquivo Nacional

### Arquivo Nacional recebe acervo histórico sobre cultura afro-brasileira doado por Fernandez Portugal Filho

Rio de Janeiro – Um livreto em papel verde, datado de 1974 e levemente amarelado pelo tempo, reúne os estatutos do Centro Espírita São Jorge, no bairro de Cordovil, zona norte do Rio de Janeiro. Esse item integra um amplo acervo sobre cultura afro-brasileira doado neste ano ao Arquivo Nacional pelo colecionador, jornalista, antropólogo e babalawô Fernandez Portugal Filho.

Os estatutos de umbanda, como esse documento, estruturam o funcionamento de cada terreiro, definindo administração, diretoria, conselho fiscal, fins religiosos, culturais e beneficentes, além de normas de conduta como a prática da caridade e a proibição de cobrança por atendimentos espirituais. Do ponto de vista historiográfico, eles revelam realidades locais, experiências de grupos sociais específicos e dinâmicas de contextos sociopolíticos mais amplos.

“Esses estatutos têm grande importância histórica. O acervo tem desde itens dos anos 1940 e 1950, até aqueles estatutos extremamente interessantes do ponto de vista político e social, elaborados em plena ditadura militar”, explica Fernandez Portugal Filho. “Eles mostram como a umbanda se defendia dentro da estrutura militar, quais elementos eram utilizados para se fortalecer naquele contexto. Isso ajuda a elucidar o comportamento das lideranças da época, inclusive disputas internas e divisões patrimoniais.”

A relação entre umbanda e ditadura militar representa apenas uma das muitas possibilidades de investigação abertas pelos documentos oriundos do Centro de Estudos e Pesquisas de Cultura Iorubá, fundado em 1977 pelo próprio Fernandez. O acervo, reunido ao longo de décadas, inclui dois lotes principais doados à instituição: o primeiro em 1999, com recortes de jornais, informativos, convites, materiais bibliográficos, folhetos e divulgações de eventos sobre arte e cultura negra, luta contra discriminação racial, saúde da população negra, feminismo, política e movimento negro, além de campanhas eleitorais de candidatos ligados a pautas raciais.

O segundo lote, entregue em junho de 2025, concentra-se em documentos textuais sobre religiosidade afro-brasileira, com destaque para registros da Umbanda e atuações de entidades e organizações ligadas a essa tradição. Nele, há revistas, jornais, recortes, materiais didáticos, regimentos, estatutos de instituições, hinos, partituras, certidões de batismo religioso, cartazes, correspondências institucionais, folhas volantes e propagandas. Além disso, há materiais sonoros e audiovisuais em vias de aquisição, como fitas VHS trazidas por Fernandez de Benin e Nigéria, mais de 150 DVDs sobre candomblé e umbanda produzidos no Brasil, fitas cassete e de rolo com gravações em terreiros do Rio de Janeiro, Salvador e nos berços da cultura iorubá.

Fernandez começou a coletar o material ao ingressar no candomblé, migrando depois para a umbanda. Com o tempo, tornou-se referência em religiões de matriz africana, atuando como conselheiro na elaboração de estatutos de terreiros no Rio de Janeiro e recebendo visitas de dirigentes religiosos e babalaôs de outros estados. Nascido em 1950 como Gumercindo Fernandes Portugal Filho, ele se descreve como herdeiro do “jeito revolucionário e destemido” do pai político, e é autor de obras como *Iyami Oxorongá – O Culto às Mães Ancestrais* e *Introdução ao Idioma dos Orixás*.

Ao perceber que acumulava registros coletivos além de um interesse pessoal, Fernandez se viu como “guardião temporário” do acervo. Antes de o Arquivo Nacional aceitar a doação, ele tentou destiná-lo a várias instituições, sem sucesso. Agora, o material está em tratamento pela Divisão de Processamento Técnico de Documentos Privados, com entrevista recente ao doador para mapear sua formação. O primeiro lote já possui instrumento provisório de pesquisa e está disponível para consulta presencial no Rio de Janeiro, enquanto trâmites burocráticos avançam para incorporar o restante.

A chegada desse acervo privado enriquece a diversidade de documentos sob guarda do Arquivo Nacional, permitindo novas leituras da história do Brasil e incorporando narrativas de experiências negras que por muito tempo ficaram à margem dos registros oficiais. Técnicos já realizaram análise preliminar, ampliando o acesso a fontes essenciais para compreender camadas profundas da sociedade brasileira.

Fonte: Agência Brasil – Matéria Original (Clique para ler)

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