As audiências de custódia por videoconferência enfraquecem a capacidade do sistema judicial de proteger direitos e de identificar e encaminhar casos de tortura e maus-tratos, quando comparadas às sessões presenciais, segundo pesquisa realizada pelo Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD) com apoio da Associação para a Prevenção da Tortura (APT).
A investigação “Direito sob Custódia: Uma década de audiências de custódia e o futuro da política pública de controle da prisão e prevenção da tortura” analisou 1.206 audiências realizadas entre setembro e dezembro de 2024 em dez cidades de seis estados e concluiu que a virtualização das sessões prejudica a efetividade do mecanismo de controle da prisão e de prevenção da violência policial, especialmente no encaminhamento de denúncias de tortura e maus-tratos[3]. Os dados mostraram que apenas 19,3% das pessoas relataram tortura, maus-tratos ou agressões no conjunto das audiências analisadas, com concentrações mais altas em Salvador (35,3%) e Betim (31,4%)[3].
Segundo a pesquisa, o respeito aos direitos da pessoa custodiada foi 17,5% maior nas audiências presenciais, indicador calculado a partir de critérios como a explicitação pelo juiz do objetivo e do resultado da audiência e o alerta sobre o direito ao silêncio[3]. Entre as decisões de relaxamento da prisão em que foi possível apurar o fundamento, apenas uma mencionou violência policial na abordagem, o que, para o IDDD, demonstra que o Judiciário raramente considera relatos de violência como razão suficiente para reconhecer a ilegalidade da prisão[3].
A virtualização intensificada na pandemia também altera o local e as condições das sessões: a pesquisa detectou que apenas 26% das audiências virtuais foram realizadas a partir de sedes judiciais, conforme determina a Resolução nº 213/2015 do Conselho Nacional de Justiça — a maior parte ocorreu em delegacias e unidades prisionais — e que somente 26,2% das pessoas custodiadas em sessões virtuais tiveram advogado ou defensor público presencialmente ao lado[3]. Entre os que não contavam com defesa presencial, 37,5% apareceram cercados por policiais durante a videoconferência, situação que tende a inibir denúncias de agressões[3].
A presença física do juiz no mesmo ambiente da pessoa custodiada foi associada a uma condução 25,3% mais efetiva na investigação de denúncias de violência, incluindo o registro de sinais visíveis de tortura e a busca por testemunhas[3]. A pesquisa também identificou desigualdades raciais: entre pessoas negras que denunciaram violência, 27,9% não tiveram qualquer encaminhamento judicial para apuração, ante 17,8% entre pessoas brancas, o que o IDDD interpreta como evidência de racismo institucional nas rotinas das audiências[3]. No recorte de gênero, a tipificação de medidas alternativas previstas no Marco Legal da Primeira Infância praticamente não reduziu a taxa de encarceramento de mães com filhos menores de 12 anos em relação às demais mulheres[3].
Os autores e representantes das organizações parceiras defendem que as audiências de custódia são uma salvaguarda essencial para identificar indícios de tortura e maus-tratos e que a predominância da modalidade virtual — registrada pela plataforma Observa Custódia, que apontou em 2024 apenas 26% de audiências presenciais, 34% por videoconferência e 40% alternando entre formatos — tem fragilizado essa função[3]. O IDDD e a APT concluem que o problema não é ausência de normas ou de avanços regulatórios, mas o descumprimento sistemático das regras e a insuficiente implementação e fiscalização por parte do Estado, além de mudanças legislativas recentes que ampliam a possibilidade de prisões preventivas e favorecem o uso preferencial da videoconferência, como apontam discussões legislativas e decisões recentes[3][2].
Diante dos achados, as recomendações das organizações envolvidas incluem restituir a presencialidade como regra para as audiências de custódia, garantir o cumprimento do prazo de 24 horas para a realização do ato, assegurar a presença física da defesa e o registro e encaminhamento de todo relato de violência para investigação, medidas que, na avaliação dos especialistas ouvidos, são necessárias para reduzir a distância entre o que está previsto em normas e o que ocorre na prática[3].
Nota: relatórios e artigos acadêmicos sobre o tema já documentavam antes da pesquisa preocupações semelhantes sobre o impacto da videoconferência nas audiências de custódia e seus riscos para a prevenção da tortura e a tomada de decisão judicial, tanto em estudos bibliográficos quanto em levantamentos empíricos sobre a prática no Brasil[1][4][5].

