Home / Brasil e Mundo / Trabalhadores processam Volkswagen por regime análogo à escravidão

Trabalhadores processam Volkswagen por regime análogo à escravidão

Quatro trabalhadores rurais submetidos a condições análogas à escravidão na Fazenda Vale do Rio Cristalino, no Pará, durante as décadas de 1970 e 1980, acionaram a Justiça do Trabalho para exigir reparação da Volkswagen do Brasil. Cada um reivindica R$ 1 milhão por danos morais e R$ 1 milhão por danos existenciais, valores calculados com base no porte econômico da empresa, na extensão dos prejuízos sofridos e no impacto social do caso.

As ações individuais tramitam na Vara do Trabalho de Redenção, no Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região, com prioridade judicial reconhecida devido à idade avançada das vítimas e à gravidade das violações. Elas sucedem uma ação civil pública movida pelo Ministério Público do Trabalho, que cobra R$ 165 milhões por danos morais coletivos, retratação pública da montadora e a criação de mecanismos preventivos, como protocolos contra incidentes semelhantes, canal de denúncias e ações de fiscalização. Nessa ação coletiva, a Volkswagen foi condenada em agosto de 2025, mas recorreu da decisão, descrita como a maior da história em casos de trabalho análogo ao de escravo.

A fazenda, conhecida como Fazenda Volkswagen, pertencia à Companhia Vale do Rio Cristalino Agropecuária Comércio e Indústria, subsidiária da montadora, e ocupava cerca de 140 mil hectares em Santana do Araguaia, área equivalente à cidade de São Paulo. O empreendimento, ativo de 1974 a 1986, recebeu incentivos fiscais e recursos públicos do governo ditatorial para criação de gado, tornando-se um dos maiores polos do setor na Amazônia. Trabalhadores eram atraídos por intermediários chamados “gatos”, com promessas de bons salários para derrubar árvores nativas, formar pastagens e realizar obras civis, mas caíam em servidão por dívida, jornadas exaustivas, condições degradantes, vigilância armada e violência.

O advogado José Vargas, do Coletivo Veredas de advocacia popular, destaca que o caso expõe a “face empresarial da ditadura”, com a Volkswagen tentando naturalizar a servidão por dívida como prática comum da época. “Houve uma tentativa de naturalizar a servidão por dívida”, afirmou ele em entrevista. Vargas classifica a situação como uma “dívida histórica”, pois a empresa lucrou com a exploração, ampliou desigualdades e gerou antipatia social contra as vítimas, vistas como obstáculos ao desenvolvimentismo do regime. Ele critica o recurso da montadora contra a condenação de R$ 165 milhões, diante de seu faturamento bilionário, como um “lado mesquinho”.

Um dos autores das ações, identificado como Isaías, foi aliciado aos 15 anos no Mato Grosso, junto com amigos adolescentes, por um “gato” de confiança. Eles largaram os estudos para um suposto trabalho de um mês, mas ficaram três meses em barracas precárias, sem higiene ou alimentação adequada, acumulando dívidas desde o transporte. Escaparam fingindo alistamento militar obrigatório, tacticando o medo dos jagunços armados em plena ditadura. “Eram muitos pistoleiros. Todos armados. Não tinha ninguém sem arma, não”, relata. Voltaram sem dinheiro, pegando caronas e ajuda da Comissão Pastoral da Terra (CPT), que documentou as denúncias desde 1983 e acompanha os processos. “Foi muito difícil. Nossa sorte foi que saímos com vida”, resume.

A CPT, junto a movimentos sociais, sindicatos e parlamentares, levou o caso às autoridades. O Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania enviou representantes a Redenção em maio de 2025 para uma mobilização. A legislação brasileira define trabalho escravo contemporâneo como atividade forçada, com impedimento de saída, condições degradantes, jornadas exaustivas ou vigilância ostensiva, incluindo servidão por dívida. Denúncias podem ser feitas anonimamente pelo Sistema Ipê.

Procurada, a Volkswagen do Brasil afirmou que “seguirá em busca de segurança jurídica no Judiciário Brasileiro”. A empresa, com 72 anos de legado no país, defende a dignidade humana e o cumprimento de leis trabalhistas, reafirmando seu compromisso com a responsabilidade social.

Fonte: Agência Brasil – Matéria Original (Clique para ler)

Deixe um Comentário