O governo do Rio de Janeiro apresentou ao Supremo Tribunal Federal um plano detalhado para recuperar territórios controlados pelo crime organizado, com foco inicial na zona sudoeste da capital. O documento atende às exigências da ADPF 635, que busca conter violações de direitos humanos e a alta letalidade em operações policiais nas favelas.
As ações começam após o carnaval de 2026, priorizando comunidades como Rio das Pedras, considerada o berço das milícias, Muzema e Gardênia Azul. Essas áreas, dominadas por milícias – formadas por bombeiros e policiais – e pelo Terceiro Comando Puro em Rio das Pedras, e pelo Comando Vermelho nas outras, enfrentam disputas territoriais constantes, alto índice de assassinatos e vulnerabilidades sociais e ambientais graves, afetando a segurança e a mobilidade de cerca de 70 mil pessoas. A escolha dessas localidades se deve ao nível crítico de atuação de grupos armados e à degradação que impacta a população.
Batizado de Plano Estratégico de Reocupação Territorial, o projeto está dividido em cinco fases integradas. A primeira, centrada em segurança pública e justiça, inicia com mapeamento detalhado do território, seguido de intervenção direta com presença ostensiva de policiais por tempo determinado, apoio eventual de forças federais e Armadas, e ações de monitoramento. Além de combater a presença do crime, o foco é desmantelar o controle de serviços básicos pelas facções, como venda de gás, gelo e internet, usados para lavagem de dinheiro. Nessa etapa, Ministério Público e Defensoria Pública atuam em conjunto.
As segunda e terceira fases abordam desenvolvimento social e urbano, com mutirões de assistência social, reformas de escolas, implantação de tempo integral, cursos técnicos, atividades esportivas, culturais e profissionalizantes, além de obras de saneamento, iluminação, limpeza pública, regularização fundiária e melhorias na mobilidade. A quarta fase impulsiona o desenvolvimento econômico, incentivando microempresas, cooperativas e turismo comunitário. A quinta garante sustentabilidade, com articulação entre governos e sociedade civil para monitoramento contínuo.
Na elaboração do plano, a Secretaria de Segurança ouviu 400 moradores de Gardênia Azul, Rio das Pedras e Muzema, que relataram problemas graves de infraestrutura e habitação precária. A participação comunitária é prevista desde o início, por meio de conselhos locais e reuniões regulares com o poder público. A fase final inclui uma plataforma digital de transparência, com indicadores de ações e observatórios de violência.
O governador Cláudio Castro enfatizou, em nota, que reocupação significa a volta do Estado como um todo, não só da polícia. Ele defendeu a união de poderes para implementar as medidas e transformar a realidade local, integrando segurança e serviços sociais, em linha com as diretrizes do STF e as demandas da população.
Com 300 páginas, o documento se inspira na experiência de Medellín, na Colômbia, que superou décadas de violência extrema entre tráfico e poder público por meio de políticas públicas contínuas, sem abolir penas ou recuperar arsenais bélicos. Diferencia-se de iniciativas passadas no Rio, como as Unidades de Polícia Pacificadora, por priorizar a integração consistente de serviços públicos.
O diagnóstico do governo aponta a expansão do controle territorial por grupos armados na região metropolitana entre 2007 e 2024, afetando um terço da população do estado com extorsões, ameaças, espancamentos, expropriações, expulsões, torturas e mortes. Operações policiais isoladas são vistas como insuficientes sem o respaldo de políticas sociais. O objetivo central é substituir a economia do crime por um ecossistema de oportunidades lícitas, gerando emprego, renda e empreendedorismo, numa transição da intervenção para o desenvolvimento, com ênfase em educação, urbanismo e economia criativa. O plano ainda será discutido com a Prefeitura do Rio e o governo federal, dependendo de aprovação de grupo de trabalho do STF para entrar em vigor.

