A contaminação por agrotóxicos no Brasil atinge uma população em alta vulnerabilidade, considerando os recortes de gênero, raça e território. A avaliação é da arquiteta e urbanista Susana Prizendt, integrante da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida e do coletivo MUDA-SP, que destaca que esse é o mesmo perfil de população submetida à fome e à insegurança alimentar no país. “Se a fome tem gênero, tem raça e tem endereço, o veneno também”, afirma.
Segundo ela, quem mais entra em contato com os venenos, com maior intensidade, são os povos descendentes de negros e de indígenas que trabalham nos campos, nas grandes fazendas e mesmo em pequenas propriedades que ainda utilizam agrotóxicos. São essas pessoas que também não têm acesso a alimentos agroecológicos, produzidos sem o uso de substâncias tóxicas. A fala foi feita durante uma homenagem ao cineasta Sílvio Tendler, após a exibição de seu documentário “O Veneno Está na Mesa II”, no São Paulo Food Film Fest 2025. Tendler, que morreu em setembro deste ano, deixou um legado de denúncias sobre como conglomerados do setor de alimentos acumulam lucros enquanto trabalhadores rurais, comunidades próximas a lavouras e consumidores enfrentam os efeitos do uso excessivo de agrotóxicos, muitas vezes acima dos limites recomendados.
O filme também faz referência a Josué de Castro, médico e ativista contra a fome, cujas obras sobre a geografia e a geopolítica da fome ainda ecoam na realidade brasileira atual. Prizendt lamenta a falta de uma oferta ampla de alimentos livres de veneno, destacando que muitos lugares simplesmente não têm opção de escolher o que comer. “Muitos lugares simplesmente não têm opção. Mal tem opção de alimento in natura, porque agora os ultraprocessados estão tomando praticamente todo o espaço. Agora você tem só esse monte de coisa embalada”, diz.
Uma série de artigos publicados por mais de 40 cientistas, liderados por pesquisadores da Universidade de São Paulo, mostra que a participação de ultraprocessados na alimentação dos brasileiros mais que dobrou desde os anos 1980, passando de 10% para 23% do total. Os autores reforçam que esse aumento não é fruto de escolhas individuais, mas resultado da atuação de grandes corporações globais, que usam ingredientes baratos, métodos industriais para reduzir custos e marketing agressivo para impulsionar o consumo.
Para quem pensa que apenas os alimentos in natura contêm resíduos de agrotóxicos, Prizendt traz uma preocupação adicional: pesquisas do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) mostram que alimentos industrializados, como biscoitos recheados, bisnaguinhas e requeijão, também apresentam resíduos de veneno. Um estudo do Idec que analisou 27 alimentos ultraprocessados constatou que 59,3% deles continham resíduos de pelo menos um tipo de agrotóxico, e todos os produtos com trigo como ingrediente tinham agrotóxicos. A investigação “Tem Veneno Nesse Pacote” encontrou substâncias tóxicas em bebidas de soja, cereais matinais, salgadinhos, bisnaguinhas, biscoitos água e sal e bolachas recheadas, além de apontar preocupação com a presença desses resíduos em alimentos destinados ao público infantil.

