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Ararinhas-azuis recapturadas testam positivo para vírus letal

# Ararinhas-Azuis Enfrentam Ameaça Viral em Projeto de Reintrodução

Uma crise sanitária coloca em risco um dos programas de conservação mais importantes do Brasil. O Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade confirmou que 11 ararinhas-azuis recapturadas no início de novembro testaram positivo para circovírus, um vírus letal e sem cura que causa a doença do bico e das penas em psitacídeos. A descoberta expõe falhas graves em protocolos de biossegurança e levanta questões críticas sobre a viabilidade do projeto de reintrodução da espécie na natureza.

As ararinhas-azuis representam um dos maiores desafios da conservação moderna. Declaradas extintas na natureza no ano 2000 e extintas na natureza desde 2020, essas aves permanecem vivas apenas em cativeiro, dependendo inteiramente de programas humanos para sua sobrevivência. Oriundas da Caatinga baiana, as 11 aves infectadas haviam sido repatriadas da Europa e integravam o Criadouro para Fins Conservacionistas do Programa de Reintrodução da Ararinha-Azul em Curaçá. Foram soltas na natureza em 2022 como parte de um esforço ambicioso para restabelecer a população selvagem. Agora, veem-se ameaçadas por um inimigo invisível.

O circovírus, originário da Austrália, é o principal agente causador da doença do bico e das penas, uma enfermidade altamente contagiosa que afeta araras, papagaios e periquitos. A doença não oferece risco a humanos nem a aves de produção, mas entre os psitacídeos sua devastação é quase total. Os sintomas incluem deformações e crescimento anormal do bico, descoloração severa das penas, falhas no empenamento e malformação das estruturas plumosas. Além disso, o vírus causa imunossupressão grave, tornando as aves suscetíveis a infecções secundárias e outras doenças oportunistas. Sintomas como perda de peso, letargia e distúrbios gastrointestinais complementam um quadro clínico devastador. Com um período de incubação entre duas a quatro semanas, o vírus progride rapidamente e mata a maioria dos indivíduos infectados, não existindo tratamento conhecido.

A transmissão do circovírus ocorre de forma insidiosa. As partículas virais presentes no pó das penas, fezes e secreções do papo podem ser inaladas ou ingeridas por outras aves. Uma vez no organismo, o vírus migra através da corrente sanguínea para os folículos das penas, pele e membranas do esófago e papo, provocando morte tecidual e o surgimento dos sintomas característicos. O contato com penas infectadas, superfícies contaminadas, comedouros, poleiros e ninhos também facilita a disseminação. A natureza extremamente contagiosa do agente transformou uma detecção inicial isolada em um surto de proporções preocupantes.

As investigações do ICMBio, realizadas em parceria com o Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos e a Polícia Federal, revelaram um cenário de negligência institucional. As vistorias constataram descumprimento sistemático de medidas básicas de biossegurança no criadouro. A limpeza das instalações era inadequada, os funcionários utilizavam irregularmente equipamentos de proteção, e práticas essenciais de contenção não eram observadas. Como apontou Cláudia Sacramento, coordenadora da Coordenação de Emergências Climáticas e Epizootias do ICMBio, se os protocolos tivessem sido seguidos com o rigor necessário, provavelmente não teria ocorrido a escalada de um único animal positivo para onze indivíduos infectados.

As consequências financeiras e administrativas foram significativas. A BlueSky, empresa responsável pelo criadouro que abriga 103 ararinhas-azuis, recebeu uma multa de R$ 1,8 milhão do ICMBio. O Inema aplicou multa adicional de aproximadamente R$ 300 mil. Porém, as multas, por mais altas que sejam, não conseguem compensar os danos biológicos potenciais de um surto viral não controlado entre uma população tão pequena e geneticamente vulnerável quanto a da ararinha-azul.

O receio dos gestores de conservação vai além das aves já infectadas. Existe preocupação genuine de que o ambiente possa ter sido comprometido, ameaçando a saúde de outras espécies de psitacídeos da fauna local. O potencial de disseminação do vírus para populações selvagens de outras aves constitui uma ameaça secundária que amplia o escopo da crise sanitária. Em resposta, o ICMBio acionou o Sistema de Comando de Incidente para gerir a emergência, isolar os animais positivos dos negativos e garantir a implementação rigorosa de protocolos de biossegurança.

O problema se agrava quando consideramos a história política e administrativa do programa. Em 2024, o acordo de cooperação entre o ICMBio e a Associação para Conservação de Papagaios Ameaçados foi encerrado devido a descumprimentos graves pela associação. Entre os problemas documentados estava a venda e transferência de 26 ararinhas-azuis para a Índia sem consentimento do governo brasileiro. Embora a ACTP possa continuar suas ações desde que sigam os instrumentos oficiais de conservação, a ruptura do acordo ilustra as dificuldades nas relações institucionais que cercam o programa.

A reintrodução da ararinha-azul na Caatinga depende fundamentalmente do manejo ex situ, ou seja, da criação e reprodução em ambientes controlados. A população mantida sob cuidados humanos é, até o momento, a única considerada viável para sustentar um programa de reintrodução bem-sucedido. Isso significa que qualquer comprometimento dessa população — seja por doença, morte ou redução na reprodução — afeta diretamente as perspectivas de sucesso do projeto como um todo. O circovírus representa assim não apenas uma ameaça biológica, mas um risco existencial para todo o esforço de salvar a espécie da extinção.

O objetivo central dos programas coordenados pelo ICMBio permanece claro: reestabelecer uma população saudável e estável em seu habitat natural nas unidades de conservação de Curaçá, como a Área de Proteção Ambiental e o Refúgio de Vida Silvestre da Ararinha-Azul. Esse objetivo ainda é alcançável, mas a crise atual demonstra que a margem para erro é praticamente inexistente. A fragilidade de uma espécie reduzida a poucas dezenas de indivíduos em cativeiro exige rigor absoluto em cada detalhe operacional. A descoberta do circovírus nas 11 ararinhas serve como um lembrete brutal de quão próxima está a ararinha-azul do abismo final da extinção.

Fonte: Agência Brasil – Matéria Original (Clique para ler)
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