Silvio Santos, ou Senor Abravanel, faleceu no dia de hoje, 17 de agosto de 2024, aos 93 anos, deixando um legado inquestionável na televisão brasileira. Criador do SBT e responsável por programas que marcaram gerações, Silvio foi uma figura central no entretenimento nacional por décadas. No entanto, sua trajetória de sucesso não esteve isenta de polêmicas, que ao longo dos anos geraram debates intensos sobre seu papel na mídia e na sociedade brasileira.
Uma das questões mais discutidas envolvendo Silvio Santos é a alegada relação entre a fundação do SBT e o regime militar. Em 1980, quando o governo federal cassou a concessão da TV Tupi, Silvio conseguiu uma das licenças para fundar sua própria emissora, o SBT, que foi lançado oficialmente em 1981. Críticos apontam que sua proximidade com o regime militar pode ter facilitado essa concessão, o que levanta discussões sobre o papel da emissora na manutenção de uma linha editorial alinhada aos interesses do governo da época. Contudo, é importante ressaltar que Silvio sempre negou qualquer envolvimento político direto e afirmou que sua carreira foi construída com base em seu talento e visão empresarial.
No entanto, Silvio Santos chegou a manifestar, mais de uma vez, sua gratidão a João Batista Figueiredo (1918-1999), último general da ditadura militar. Foi no governo dele, em 1981, que o empresário ganhou a tal concessão, que permitiu a transformação da TVS, do Rio, em SBT. Em meio a uma brincadeira com os nomes de diferentes presidentes do Brasil, Silvio a afirmar sobre Figueiredo: “Sou muito grato a ele. Se não fosse ele, eu estava vendendo caneta na praça da Sé”.
Apoio à Ditadura Militar?
Durante o regime militar, Silvio Santos fez manifestações explícitas de apoio aos presidentes militares e seus ministros, como parte de sua estratégia para manter a concessão do SBT, contrapor o domínio da TV Globo e garantir acesso às verbas de publicidade. O SBT, com sua programação voltada para o entretenimento popular, era visto pelos militares como um meio eficaz de comunicação direta com a classe trabalhadora, o que reforçava seu alinhamento com o governo da época.
Muito mais recentemente, em fevereiro de 2020, durante o governo Bolsonaro, Silvio Santos anunciou a intenção de recriar o programa “A Semana do Presidente”, que havia sido exibido durante a ditadura militar para destacar a rotina dos líderes do regime. A proposta gerou críticas por seu caráter “bajulatório”, levando à suspensão da ideia.
Esse não foi o único episódio que gerou controvérsias: em 2018, durante as eleições presidenciais, o SBT chegou a exibir vinhetas com as cores da bandeira brasileira e o slogan “Brasil, ame-o ou deixe-o”, uma marca do governo do general Médici. A vinheta provocou indignação e foi retirada do ar no mesmo dia.
Preconceito e misoginia?
Além das controvérsias políticas, Silvio Santos também enfrentou críticas por declarações e atitudes consideradas preconceituosas e misóginas. Ao longo de sua carreira, ele protagonizou momentos que geraram desconforto, como comentários que hoje seriam considerados inapropriados ou até ofensivos. Por exemplo em 2018, quando foi publicamente denunciado por assédio por Cláudia Leitte, após o apresentador afirmar, durante a exibição de um programa criado para ajudar a Associação de Assistência à Criança Deficiente (AACD), que não poderia abraçar a cantora Cláudia Leite porque “ficaria excitado”, a artista veio a público declarar ter se sentido constrangida pela postura do dono da emissora SBT, que usou a roupa da cantora para justificar o assédio.
Visivelmente incomodada, ela chegou a dizer que deixaria o programa. Em sua conta no Instagram, Cláudia declarou que os comentários do apresentador remetem aos episódios diários de machismo enfrentados pelas mulheres em diversos lugares e apontou que o assédio vem muitas vezes mascarado como uma piada. “Isso é desenfreado, cruel, nos fere e nos dá medo. A provocação vem disfarçada de piada, e as pessoas riem, porque acostumaram-se, parece-nos normal! E lá se vai a nossa vida”, escreveu a cantora.
Em um país como Brasil, que enfrenta a grave realidade de um feminicídio a cada sete horas, Silvio Santos também gerou revolta com outras declarações e atitudes consideradas machistas. Durante o programa “Jogo dos Pontinhos”, por exemplo, ele fez comentários sobre o peso da assistente de palco Helen Ganzarolli, afirmando: “Estou vendo daqui que você engordou um pouquinho. Me faça um favor: não engorde, porque você é a única musa que eu tenho.” Tais declarações, focadas na aparência das mulheres, refletem uma postura sexista que é vista por muitos como desrespeitosa e ultrapassada.
Esses comportamentos não são isolados. Silvio Santos frequentemente faz comentários sobre a aparência das mulheres em seus programas, como quando afirmou que “depois que o Luciano Huck casou com a Angélica, deu um trato nela e ela ficou linda”, ou quando faz “brincadeiras” sobre as roupas das participantes no palco. Tais atitudes perpetuam estereótipos e reforçam uma visão objetificadora das mulheres, gerando críticas tanto do público quanto de especialistas em questões de gênero.
Até mesmo dentro da própria família, a postura de Silvio Santos é alvo de críticas. Sua filha, Patrícia Abravanel, também apresentadora, chegou a se manifestar publicamente durante um programa, afirmando: “Não gosto de ver meu pai fazendo a pegada de velho taradão, falando de sexo. Vem qualquer mulher bonita e ele fica comendo com os olhos, não precisa.” Essa crítica reflete o desconforto gerado pelas atitudes de Silvio, que, apesar de sua longa trajetória de sucesso, também tem sido confrontado pela evolução dos valores e pela crescente conscientização sobre o respeito às mulheres na sociedade.
“Sexo, poder ou dinheiro?” e acusações de racismo: mais polêmicas no programa de Silvio Santos
Em 2016, durante a exibição de um programa do SBT, Silvio Santos fez uma pergunta polêmica a uma criança de apenas (5) cinco anos: “Sexo, poder ou dinheiro?”. O episódio gerou grande repercussão e resultou em um inquérito pelo Ministério Público Federal (MPF). A Procuradoria Regional em São Paulo destacou que crianças e adolescentes têm direito ao respeito e à dignidade, incluindo a preservação de sua integridade psíquica e imagem. O MPF também lembrou que a liberdade de expressão não é um direito absoluto, assegurando o direito de resposta e indenização por danos materiais, morais ou à imagem.
O SBT respondeu ao incidente informando que a mãe da criança entrou com uma ação de indenização contra a emissora, alegando que não houve violação generalizada dos direitos das crianças. No entanto, o quadro “Miss Infantil”, que apresentava meninas de sete a dez anos desfilando, frequentemente em trajes de banho, também recebeu críticas de especialistas por sua inadequação e a forma como as crianças eram expostas e elogiadas pelos apresentadores e jurados.
Outra controvérsia envolvendo Silvio Santos ocorreu em dezembro de 2019, quando ele foi acusado de racismo ao retirar um prêmio musical de uma candidata negra, contrariando a escolha do auditório durante o quadro “Quem Você Tira?”. O episódio levou o deputado estadual Jesus dos Santos, da Bancada Ativista, a protocolar uma representação na Justiça do Estado de São Paulo contra o apresentador, citando também outros três casos anteriores em que Silvio foi acusado de racismo. Em resposta às acusações, Silvio Santos ironizou as críticas ao vivo no programa exibido em 15 de dezembro daquele ano, alimentando ainda mais o debate sobre suas atitudes e posturas frente a questões raciais.
Essas situações frequentemente eram tratadas com leveza por ele, que as via como parte do humor característico de seus programas. No entanto, com a evolução das discussões sociais e a crescente conscientização sobre temas como igualdade de gênero e respeito às diversidades, esses comportamentos passaram a ser questionados publicamente, colocando Silvio no centro de debates sobre os limites do humor e do entretenimento.
É fundamental reconhecer que Silvio Santos pertenceu a uma geração marcada por valores e visões de mundo diferentes das que prevalecem atualmente. Nascido em 1930, ele cresceu e se formou em um contexto social no qual certos comportamentos eram naturalizados e aceitos, embora hoje certamente considerados inaceitáveis. No entanto, ao mesmo tempo em que precisamos entender o contexto em que Silvio viveu, é essencial que, como sociedade, avancemos para superar essas visões de mundo e promover um ambiente mais inclusivo e respeitoso para todos. Hoje, vige a Constituição Cidadã de 1988, e precisamos superar o fantasma da Ditadura Militar de 1964, do qual alguns ainda lembram com “saudade”. Suas conquistas na televisão são inegáveis, mas elas não devem impedir a reflexão crítica sobre o seu papel na consolidação e propagação das ideias de um regime ditatorial e sanguinário que se instalou no país.
O Brasil é um país de ícones e líderes muitas vezes polêmicos e multifacetados, sendo muitas vezes impossível seu enquadramento absoluto num único contexto, e o prisma do observador altera completamente a perspectiva, por isso, ao relembrarmos o legado de Silvio Santos, que é inegável, é crucial que façamos isso de maneira completa, reconhecendo tanto suas contribuições mas nunca esquecendo os aspectos controversos, inclusive sua proximidade e simpatia com a Ditadura Militar.
Da Redação