Há pouco mais de duas semanas, o Cerrado de Goiás viu o surgimento de um dos maiores desastres ambientais do ano: incêndios de grandes proporções na Chapada dos Veadeiros, com focos que, desde 28 de setembro, avançaram por áreas de vegetação nativa, áreas de proteção ambiental, o Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros e até territórios de comunidades tradicionais, como o Território Kalunga. Segundo o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), o fogo consumiu um total de 111.720 hectares, sendo que somente no parque nacional o estrago atingiu cerca de 900 hectares.
O combate às chamas mobilizou esforços sem precedentes. Mais de 200 profissionais, entre servidores, brigadistas voluntários e integrantes de equipes como Ibama/Prevfogo, ICMBio, Rede Contra Fogo, Brivac, Brigada de São Jorge e Brigada Cerrado em Pé, trabalharam dia e noite para controlar o avanço do fogo, muitas vezes acuados pela imprevisibilidade dos ventos e pelo difícil acesso a locais de relevo acidentado. Um dos focos teve início próximo ao povoado de Cormari e, apesar de ter invadido o perímetro do parque nacional, foi contido graças à ação rápida das equipes de combate.
O drama dos moradores virou cena cotidiana. Famílias tiveram de retirar pertences de suas casas, abrigaram-se em lugares mais seguros e lutaram para salvar animais e o pouco que restava de seus lares. Para muitos, a sensação era de impotência diante de um inimigo que avançava sem controle. Ainda assim, a tragédia não atingiu diretamente os pontos turísticos do parque, que permaneceram abertos à visitação.
As autoridades reforçam a suspeita de que a maior parte dos incêndios foi criminosa. Mais de 90% dos registros de queimadas no estado de Goiás têm origem em ação humana, segundo o Corpo de Bombeiros Militar. Duas prisões já foram efetuadas, e multas milionárias – que podem chegar a R$ 50 milhões – foram aplicadas a envolvidos em focos criminosos. As investigações continuam, mas o mistério sobre os principais responsáveis pelos grandes incêndios persiste.
O cenário começou a mudar com a chegada das chuvas à região. O volume de água trouxe alívio imediato, extinguindo boa parte dos focos e possibilitando o avanço das equipes de combate. Atualmente, apenas um foco permanece ativo, na região de Procópia, no Território Kalunga, onde o trabalho das brigadas segue. Os demais focos foram extintos, mas o acompanhamento é constante para evitar que novas chamas apareçam.
O balanço trágico de fauna e flora é incalculável. Animais silvestres foram mortos, vegetação de milhões de anos foi reduzida a cinzas e comunidades vivem as marcas de um dos piores incêndios já registrados na região. O episódio expôs, mais uma vez, a fragilidade do Cerrado diante da ação do homem e a urgência de políticas públicas eficazes para prevenção, fiscalização e responsabilização.
Apesar do quase controle do fogo, a cicatriz deixada na Chapada dos Veadeiros é profunda. Além dos impactos ambientais, o episódio chama a atenção para a necessidade de uma mudança cultural em relação ao uso do fogo na agricultura, à preservação de áreas protegidas e ao respeito à vida de quem depende do bioma para viver. Resta saber se o aprendizado dessa tragédia será suficiente para evitar que ela se repita.

