## Reportagem sobre o acordo coletivo entre a comunidade do Horto Florestal e o Jardim Botânico do Rio de Janeiro
Após mais de 40 anos de disputa judicial, moradores, autoridades e representantes do Jardim Botânico do Rio de Janeiro encontraram um caminho para resolver o conflito pela posse de terrenos onde vivem, há gerações, 621 famílias da comunidade do Horto Florestal. Assinado na última segunda-feira, 13 de outubro, o acordo coletivo garantirá o direito à permanência dessas famílias no local, que integra o parque, em troca de compromissos expressos, como a proibição de novas construções e a manutenção do caráter ambiental da área.
O impasse, que já mobilizou múltiplas instâncias do poder público, surgiu no século passado, quando a região começou a ser ocupada por trabalhadores de fábricas locais e, posteriormente, por funcionários do próprio Jardim Botânico – muitos deles obrigados, por lei, a morar dentro dos limites do parque. Os descendentes desses dois grupos formam a maior parte dos residentes atuais. A partir dos anos 1980, a União passou a reivindicar judicialmente a posse da área, obtendo sentenças favoráveis em quase todas as 215 ações movidas. No entanto, apenas três reintegrações de posse foram efetivamente executadas.
O avanço nas negociações só ganhou efetividade em 2023, quando o governo federal instituiu um Grupo Técnico de Trabalho (GTT) para debater o tema. O relatório do grupo recomendou a permanência das famílias em áreas onde não há risco ambiental, o que levou à suspensão das reintegrações de posse em curso. Com isso, abriu-se terreno para um processo de negociação coletiva, envolvendo moradores, Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), Ministério da Cultura, Instituto de Pesquisas Jardim Botânico, Prefeitura do Rio, Ministério Público Federal (MPF), Defensoria Pública e Poder Judiciário.
O ministro da Secretaria-Geral da Presidência da República, Márcio Macêdo, enfatizou que o pacto tem um caráter ambiental, patrimonial e de justiça social, fruto do esforço conjunto de diversas instituições. Segundo ele, o acordo “garante a permanência das famílias nas áreas seguras e a realocação de um pequeno número que está em área de risco”, tudo combinado com ações de preservação ambiental e manutenção do papel institucional do Jardim Botânico. O prefeito Eduardo Paes reforçou que o novo marco regulatório é fundamental para proteger o parque, contando com a cooperação dos moradores.
Para os moradores, como explicou o presidente da Associação de Moradores e Amigos do Horto (Amahor), Fábio Dutra, o alívio é imenso. “Deixamos de ter uma espada apontada para o nosso pescoço. É muito raro uma casa no Horto que não tem um idoso e, para essas pessoas, poder dormir sem o fantasma da reintegração de posse é indescritível”, declarou Dutra. Ele destacou também o desejo de fortalecer as relações com o parque e reforçar o compromisso ambiental da comunidade.
O acordo prevê que, além do compromisso coletivo, cada família deverá assinar um termo individual de permanência, aceitando todas as condições. Esses acordos serão monitorados por uma Comissão de Acompanhamento formada por representantes dos moradores, do Jardim Botânico, da prefeitura e da Secretaria-Geral da Presidência da República. Outros pontos importantes do entendimento incluem a manutenção do número atual de imóveis, a possibilidade de reformas – desde que autorizadas pela comissão – e a transferência do direito de moradia aos herdeiros. O Instituto de Pesquisa Jardim Botânico ressaltou, em nota, que o acordo “leva a uma convivência não apenas pacífica como também com sinergias entre o Jardim e a comunidade”.
A deputada estadual Marina do MST (PT-RJ) celebrou a conquista inédita, afirmando que “não são invasões”, mas famílias que ocupam a região há gerações, de forma pacífica, e que até contribuem para a preservação ambiental local. O entendimento, portanto, representa um avanço tanto para o direito à moradia quanto para a proteção do patrimônio ambiental e cultural da cidade.
Agora, a expectativa é de que o Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF2) analise o processo para eventual homologação do acordo, e que os acordos individuais sejam finalizados nos próximos meses. Para muitos, o desfecho desse caso histórico servirá de exemplo de como é possível conciliar, por meio do diálogo, o respeito ao patrimônio público, à moradia digna e ao meio ambiente.

