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COP das Baixadas mobiliza ação climática nas periferias do Pará

# COP das Baixadas: quando a voz das periferias invade o debate climático global

Enquanto os negociadores da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas discutem soluções para o planeta em seus salões climatizados, a poucos minutos dali, nas favelas de Belém, moradores enfrentam realidades bem diferentes. O calor sufocante desde as nove da manhã, a falta de saneamento básico, as casas de madeira erguidas sobre lama e lixo—essa é a Amazônia urbana que permanecia invisível nas discussões oficiais da COP30.

Mas em novembro de 2025, algo mudou. A COP das Baixadas, uma articulação de diferentes organizações e coletivos de sociedade civil, trouxe à tona aquilo que as conferências climáticas globais historicamente ignoram: as questões locais das populações que mais sofrem com a crise climática. “Na COP oficial, eles chegam ao local para falar de clima, mas o mais afetado pelos efeitos do clima não entra nessa conversa. Foi a partir dessa constatação que surgiu a ideia de criar a COP das Baixadas”, explicou Guydo Kithara, cofundador do Gueto Hub, um espaço permanente de formação e mobilização sociocultural do bairro Jurunas, uma das maiores comunidades periféricas de Belém, localizada às margens do Rio Guamá.

A iniciativa reconhece uma contradição fundamental que as trinta edições anteriores da COP nunca resolveram: fazer conferências climáticas em diferentes países sem de fato considerar os territórios que as sediam. “Eu não entendo como, em 30 edições, o mundo ainda não pensou que é estranho fazer tantas conferências, uma em cada país, sem de fato considerar o lugar em que você está fazendo cada COP”, questiona Jean Ferreira, irmão de Guydo e também cofundador do Gueto Hub. Mas na Amazônia, como ele ressalta, o movimento social foi forte o suficiente para não permitir que isso acontecesse.

## A realidade invisível das baixadas

Enquanto o presidente Luiz Inácio Lula da Silva promove um fundo global de investimentos para premiar países que combatem o desmatamento na COP oficial, as comunidades periféricas de Belém vivem outra história. Em Belém, mais da metade da população vive em favelas—um recorde entre as 27 capitais do país. Embora a Amazônia seja sinônimo de floresta, mais de 75% dos seus 27 milhões de habitantes vivem em áreas urbanas, segundo dados oficiais. E é nessas áreas que a crise climática bate com força total.

A Vila da Barca, comunidade ribeirinha fundada há um século por pescadores, abriga cerca de sete mil pessoas, a maioria vivendo na miséria. Suas casas de madeira estão erguidas sobre lama, lixo e entulho. Ali, Rosineide Santos, de 56 anos, que chegou à comunidade há duas décadas, relata as mudanças drásticas: “O clima mudou muito, agora tem aquele vapor que sobe quando chove e um calor intenso desde nove da manhã”. A temperatura máxima de Belém aumentou 1,96 graus Celsius entre 1970 e 2023, o que amplia a vulnerabilidade às ondas de calor, aos problemas de saúde associados e às pressões na infraestrutura da cidade.

As baixadas—assim chamadas porque estão localizadas nas partes mais baixas da cidade—são áreas marginalizadas, construídas sobre os rios. Inicialmente, o processo de ocupação em Belém respeitava os cursos d’água, mas o crescimento populacional e migratório expandiu essas regiões sem políticas públicas adequadas. Os igarapés foram soterrados ou poluídos. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística mostram que 74% da superfície territorial da região metropolitana está suscetível a inundações, alagamentos e erosões, e 56% dos domicílios estão em assentamentos precários.

## A injustiça ambiental em números

A falta de saneamento básico é um dos principais fatores de vulnerabilidade climática, especialmente entre mulheres negras e mães solo, mais expostas à inadequação habitacional. Até poucos meses antes da COP, em muitas casas da Vila da Barca, as famílias precisavam comprar galões de água para conseguir tomar banho ou lavar alimentos. Enquanto isso, os bairros nobres de Belém recebiam milhões em infraestrutura para receber a conferência.

A desigualdade é tão evidente que alguns a chamam de racismo ambiental. Enquanto avenidas já estruturadas eram requalificadas para a COP, as áreas populares seguiam sem investimento ou sofriam remoções e processos de gentrificação. A pressão imobiliária é brutal: o aluguel no bairro Reduto aumentou 67% em um ano, segundo dados do IBGE de 2022. As comunidades temem que a verticalização da orla resulte em remoções forçadas, especialmente diante do envio de esgoto de empreendimentos de alto padrão para regiões como a Vila da Barca.

Gerson Bruno, líder comunitário de 35 anos e presidente de associação de moradores, é direto na crítica: “Ninguém está falando de proteger quem vive na Amazônia urbana ou discutindo como a crise climática atinge os nossos territórios mais vulneráveis”. A deputada federal Benedita da Silva também trouxe essa questão para o debate da COP30. Ela conectou as crises climática e social, apontando como o racismo estrutural e a ausência do Estado contribuem para o agravamento não apenas da vulnerabilidade climática, mas também da violência nas favelas. “Essas áreas foram praticamente abandonadas pelo poder público. Ficou como se fossem terras sem lei”, disse a parlamentar.

## Quando a pressão comunitária funciona

Apesar dos desafios, houve vitórias. A mobilização comunitária na Vila da Barca contra um projeto de estação de bombeamento—que beneficiaria apenas os bairros nobres—ganhou repercussão na imprensa local e incentivou um debate sobre justiça climática. Após um começo “problemático”, a pressão da comunidade garantiu o início da construção de uma rede de esgoto e a instalação de uma rede eficiente de água, uma demanda histórica do bairro.

## Uma conferência paralela com oito espaços ativados

A COP das Baixadas funcionou através das chamadas “Yellow Zones”—oito espaços ativados em Belém e na região metropolitana, incluindo Ananindeua, Icoroaci e Castanhal. Desde o início da COP30, em 10 de novembro, crianças, lideranças indígenas, pesquisadores, moradores de comunidades, artistas e agricultores participaram de atividades que tratavam de temas como mobilidade urbana, limpeza dos igarapés, cultura e clima. Diversas programações—debates, atividades culturais, cursos, oficinas e celebrações—mobilizaram as comunidades locais e representantes da sociedade civil.

No bairro Jurunas, o Gueto Hub promoveu eventos como encontro de parteiras, oficina de bioconstrução para crianças, plantio de horta comunitária e debates. A artista e ativista climática Suane Barreirinha, com formação em técnica de fotografia, estava lá para dizer que “a juventude precisa ser ouvida, que a comunidade precisa ser ouvida, que precisa ter participação popular. E falando do racismo ambiental também, porque essas comunidades são as mais atingidas”.

A iniciativa não se limitou a Belém. Em Caucaia, no Ceará, nove escolas indígenas se uniram para debater o papel do semiárido no contexto das mudanças climáticas, terminando com uma carta coletiva de propostas e demandas. Em Manaus, o projeto “COP dos Crias” levou arte, esporte e cultura aos bairros periféricos, com oficinas de pintura e contação de histórias que mobilizaram crianças e famílias. A mensagem final foi inequívoca: “A favela é o ponto de partida, e não o ponto final”.

## O legado que ficará

Quando a COP30 encerrou seus trabalhos em Belém, deixou não apenas acordos internacionais sobre desmatamento e financiamento climático, mas também a comprovação de que é possível incluir as vozes periféricas no debate global sobre o clima. A deputada Benedita da Silva resumiu bem: “O meio ambiente não é só a floresta ou os recursos minerais. É também o ambiente em que vivemos: a contenção de encostas, escolas próximas, trabalho, qualificação da juventude”.

A COP das Baixadas evidenciou que 30 conferências climáticas e décadas de negociações internacionais não conseguiram fazer o que organizações comunitárias fizeram em Belém em novembro de 2025: colocar as periferias no centro da conversa sobre clima. Aqueles que vivem na parte mais baixa da cidade, literalmente nas margens dos rios amazônicos, finalmente tiveram sua voz amplificada em uma escala global. A questão agora é se o mundo ouvirá.

Fonte: Agência Brasil – Matéria Original (Clique para ler)
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