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Cotas raciais da Uerj completam 22 anos e mudam trajetórias de vida

A trajetória de Henrique Silveira é um retrato da força transformadora das políticas de ação afirmativa no Brasil. Nascido em Imbariê, um distrito pobre da Baixada Fluminense, ele cresceu entre dificuldades, ajudando o pai em trabalhos pesados e puxando carroça para entregar materiais de construção. Hoje, como subsecretário de Tecnologias Sociais da prefeitura do Rio de Janeiro, ele olha para trás e tem muita clareza sobre o que mudou sua vida: a cota universitária. “Eu tenho muita clareza de que a cota transforma. Ela me permitiu deixar de ser um menino atrás de uma carroça, um burro sem rabo, para hoje estar à frente da gestão pública”, afirmou.

Henrique é egresso do curso de geografia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), onde ingressou em 2006 por meio do sistema de cotas. Ele se define como um exemplo concreto da mobilidade social que a política é capaz de promover: tirar um jovem pobre da periferia, colocá-lo dentro de uma universidade pública e abrir caminho para uma vida diferente. “Eu sou esse sujeito pobre, da baixada, como tantos outros aqui, que sempre trabalhou ajudando o pai em tudo, mas com a clareza da necessidade de estudar”, contou. Ao ter a oportunidade de entrar na universidade, se agarrou a ela com todas as forças.

A Uerj foi pioneira no país ao adotar um sistema de cotas sociais e raciais no vestibular, em 2003, abrindo caminho para uma nova realidade no acesso ao ensino superior. A decisão da universidade foi influenciada por pressões do movimento negro e por ações do Ministério Público, que exigiam medidas para enfrentar a desigualdade racial e social no ensino. A partir de então, milhares de jovens que antes estavam à margem do sistema educacional passaram a ter acesso a cursos de graduação em uma das principais instituições públicas do Rio de Janeiro.

Mais de duas décadas depois, a universidade está em uma nova fase da política de cotas. O sistema, que já completou vinte anos, passará por uma segunda revisão legislativa em 2028, quando vence a lei aprovada em 2018. Nesse contexto, a Uerj tem promovido debates e encontros com egressos cotistas para refletir sobre os impactos da medida e planejar o futuro da política. Na última semana de novembro, a reitoria da instituição recebeu ex-estudantes para o 1º Encontro de Cotistas Egressos, um espaço de memória, avaliação e projeção.

Entre os participantes estava a dentista Maiara Roque, que relembrou o dia em que passou no vestibular, em 2013, e os desafios que enfrentou como cotista negra. Ela contou que, na época, a bolsa estudantil era curta, não podia ser acumulada com outros benefícios e os auxílios eram mais restritos. Apesar das dificuldades, conseguiu se formar e construir uma carreira. Sua história, assim como a de Henrique, mostra como a cota não é apenas uma porta de entrada na universidade, mas um instrumento de reparação histórica e de construção de uma sociedade mais justa.

A experiência da Uerj serviu de referência para outras instituições no Brasil. Pouco tempo depois, a Universidade de Brasília (UnB) se tornou a primeira universidade federal a adotar cotas raciais em seu processo seletivo, em 2004, marcando um novo capítulo na política de ações afirmativas no ensino superior. A partir daí, o debate se ampliou, culminando, em 2012, com a aprovação da Lei de Cotas, que tornou obrigatória a reserva de vagas em todas as universidades federais para estudantes de escolas públicas, negros, pardos, indígenas e pessoas com deficiência.

Hoje, Henrique Silveira, que já foi menino puxando carroça, ocupa um cargo de destaque na gestão pública do Rio de Janeiro. Sua trajetória é um lembrete de que políticas como as cotas não são apenas números em um edital, mas vidas transformadas, histórias de superação e exemplos de que é possível mudar o destino quando se cria oportunidades reais para quem sempre foi excluído.

Fonte: Agência Brasil – Matéria Original (Clique para ler)