Decisão da Câmara sobre processo do golpe é vista como manobra jurídica por especialistas e criticada pelo STF

Manifestantes invadem Congresso, STF e Palácio do Planalto.

A decisão da Câmara dos Deputados de suspender a íntegra do processo criminal sobre a tentativa de golpe de Estado envolvendo o ex-presidente Jair Bolsonaro e outros 33 acusados gerou forte reação no meio jurídico e político. Especialistas em direito constitucional classificaram a medida como uma manobra jurídica que viola a Constituição e distorce o alcance da imunidade parlamentar.

O que decidiu a Câmara

Por 315 votos a 143, a Câmara aprovou a suspensão de toda a ação penal relacionada à trama golpista, com base no artigo 53 da Constituição Federal. O dispositivo permite ao Legislativo interromper, durante o mandato, processos criminais contra parlamentares. A justificativa foi a inclusão do deputado Alexandre Ramagem (PL-RJ) entre os denunciados.

No entanto, juristas afirmam que a decisão extrapola os limites constitucionais. Para Gladstone Leonel Jr., professor da Universidade de Brasília (UnB), a Câmara realizou um “malabarismo interpretativo”, pois o artigo 53 é claro ao restringir a suspensão apenas ao parlamentar denunciado, não podendo ser estendida aos demais réus do mesmo processo. Georges Abboud, da PUC-SP, lembrou que o Supremo Tribunal Federal (STF) já consolidou, na Súmula 245, que a imunidade parlamentar não alcança corréus em ações penais.

Posição do STF

O Supremo Tribunal Federal também se manifestou em tom crítico à decisão da Câmara. Em ofício enviado à Casa em abril, a Primeira Turma do STF afirmou que o processo não pode ser suspenso como um todo, mas apenas em relação aos crimes cometidos por Ramagem após sua diplomação como deputado, ocorrida em dezembro de 2022. Segundo o entendimento do STF, apenas as análises dos crimes de dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado poderiam ser paralisadas. Crimes como golpe de Estado, organização criminosa armada e tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito, que teriam ocorrido antes da diplomação, devem continuar tramitando normalmente.

O ministro Cristiano Zanin, relator do caso, reforçou que a Câmara não poderia anular integralmente o processo contra Ramagem, limitando a suspensão a duas das cinco acusações – exatamente aquelas relativas a crimes supostamente cometidos após o início do mandato parlamentar[6]. O presidente do STF, Luís Roberto Barroso, encaminhou o caso para análise da Primeira Turma, que deverá deliberar sobre a legalidade da decisão da Câmara em sessão marcada para esta sexta-feira (9).

Partidos de centro-esquerda anunciaram que vão recorrer ao STF contra a decisão da Câmara. Caso provocado, o Supremo será obrigado a se manifestar sobre a legalidade da suspensão da ação penal para todos os acusados, que é exatamente o que a extrema-direita quer, jogar o STF novamente na vitrine como vilão inquisidor.