Uma megaoperação policial deflagrada nesta semana nos Complexos do Alemão e da Penha, na zona norte do Rio de Janeiro, marcou um novo capítulo de letalidade e violência na política de segurança pública do estado. Batizada de Operação Contenção, a ação mobilizou 2.500 agentes civis e militares, com o objetivo declarado de conter a expansão territorial do Comando Vermelho, capturar lideranças criminosas e reprimir o tráfico de drogas. O saldo oficial, no entanto, expõe a gravidade do que se tornou, segundo autoridades, a operação mais letal da história do Rio: 64 mortos — incluindo quatro policiais —, mais de 100 pessoas presas e a apreensão de dezenas de armamentos de guerra, como fuzis, pistolas e granadas. Segundo moradores, porém, o número de vítimas fatais pode ser ainda maior.
O cenário de guerra urbana se estabeleceu logo nas primeiras horas do dia 28 de outubro. Tiroteios intensos, incêndios de ônibus, bloqueios de vias e suspensão de serviços públicos mergulharam a cidade em caos e medo. O Centro de Operações e Resiliência elevou o estágio operacional para o nível 2 em uma escala de 5, recomendando que a população evitasse áreas de confronto. Em algumas regiões, moradores relataram toque de recolher imposto pelo tráfico, enquanto escolas e unidades de saúde suspenderam o atendimento.
O governo do estado justificou a operação como uma resposta ao poderio bélico e financeiro das facções, que, segundo o governador Cláudio Castro, “passa os limites” do que o estado consegue conter sozinho. Em coletiva, Castro afirmou que a ação foi autorizada pelo Poder Judiciário e acompanhada pelo Ministério Público estadual, mas admitiu que, diante do cenário, poderia ser necessário o apoio de Forças Armadas.
Apesar do aparato tecnológico e logístico — incluindo drones, helicópteros, veículos blindados e dezenas de mandados judiciais —, a Operação Contenção virou alvo de críticas de instituições de defesa dos direitos humanos. A Defensoria Pública da União (DPU) divulgou nota repudiando o aumento da letalidade policial e lembrando que, apenas em abril deste ano, o Supremo Tribunal Federal homologou um plano de redução da letalidade em operações policiais no Rio de Janeiro, estabelecendo parâmetros claros para a atuação em territórios vulneráveis.
“Ações estatais de segurança pública não podem resultar em execuções sumárias, desaparecimentos ou violações de direitos humanos, sobretudo em comunidades historicamente marcadas por desigualdade, ausência de políticas sociais e exclusão institucional”, alertou a DPU. A instituição cobrou o respeito aos limites da legalidade, ao uso proporcional da força e à transparência nas apurações, reforçando o dever constitucional do Estado de garantir segurança pública sem afrontar direitos fundamentais, especialmente da população negra, pobre e periférica.
O Supremo Tribunal Federal reativou a ADPF das Favelas, que regula a atuação policial em comunidades do Rio, e determinou manifestação urgente da Procuradoria-Geral da República. Enquanto isso, o Ministério Público Federal e a Defensoria Pública da União exigem comprovação do uso de câmeras corporais, perícias e relatórios operacionais, ampliando a pressão institucional sobre a legalidade da ação e a capacidade estatal de controle da violência.
A crise amplia o debate sobre o modelo de segurança do Rio de Janeiro, alvo constante de críticas por sua política de alta letalidade. Nos últimos anos, o estado registrou quatro das cinco operações mais letais de sua história, sendo que apenas em 2025 já superou a chacina do Jacarezinho, até então o episódio com o maior número de mortos. A cada operação, comunidades inteiras vivem dias de terror, com histórias de balas perdidas, paralisação de serviços e mortes de civis, policiais e supostos criminosos.
O discurso oficial de “retomada do território” e “restituição do poder do Estado” contrasta com a realidade de famílias que enterram seus mortos, crianças que perdem aulas, trabalhadores impedidos de circular e moradores que relatam abusos. Enquanto o estado aponta a necessidade de força máxima diante da guerra imposta pelo crime organizado, especialistas, entidades da sociedade civil e membros do Judiciário questionam se o preço pago pela população não é uma violência estrutural que repete, de forma ainda mais letal, velhos padrões de exclusão e violação de direitos.

