Editorial do New York Times destaca vitória de Lula como parte da reação democrática no mundo

Leia íntegra do editorial publicado pelo New York Times hoje, dia 03 de janeiro de 2023.

Uma tendência otimista | By German Lopez

Imagine se os EUA e seus aliados tivessem reagido de forma menos agressiva à invasão da Rússia à Ucrânia. Sem armas ocidentais para reforçar suas defesas, a Ucrânia provavelmente teria sucumbido. Sem as sanções impostas pelo Ocidente, a Rússia poderia não teria sentido pressão econômica. Esse tipo de inação enviaria uma mensagem: as potências ocidentais não se levantarão por outras democracias.

Em determinado momento, esse cenário parecia plausível. Afinal, foi o que aconteceu quando a Rússia anexou ilegalmente a Crimeia em 2014 e, antes ainda, depois que a Rússia invadiu a Geórgia em 2008? Por que estou escrevendo sobre isso agora? Porque o apoio duradouro do Ocidente à Ucrânia exemplifica uma tendência importante em 2022 que pode influenciar eventos globais futuros: “Este foi o ano em que a democracia liberal reagiu”, escreveu Janan Ganesh no Financial Times.

Por anos, as democracias se tornaram menos representativas. Algumas caíram sob governos autoritários. A Freedom House, que acompanha a saúde das democracias pelo mundo, chamou a queda de uma “longa recessão democrática”. Mas em 2022, forças democráticas reagiram não apenas na Ucrânia, mas também no Brasil, nos EUA e até mesmo em países autoritários como Irã e China.

É muito cedo para declarar 2022 como ‘ponto de virada’. No entanto, especialistas em democracia que geralmente são um grupo pessimista, estão se sentindo mais otimistas. “Eu costumo ser o estraga-prazeres”, disse Michael Abramowitz, presidente da Freedom House. “Mas eu acho que a história do último ano tem sido, se otimista não é a palavra certa, pelo menos podemos dizer que estamos diante de um cenário misto.”

O editorial de hoje examinará como 2022 deu um impulso à democracia e as possíveis ramificações para o mundo.

Reação democrática

Em vários países, as pessoas se levantaram contra as forças antidemocráticas que cresceram por anos.

No Brasil, o ex-presidente Jair Bolsonaro eleito em 2018, inicialmente sugeriu que rejeitaria os resultados se perdesse a reeleição. Mas após ser derrotado, até mesmo Bolsonaro aceitou uma transição pacífica para a presidência de Luiz Inácio Lula da Silva, que tomou posse no domingo (1). Bolsonaro também acabou criticando o que chamou de “ato terrorista”, após a polícia impedir que um de seus apoiadores explodisse uma bomba em Brasília.

No Irã, protestos continuam há meses contra o governo autoritário do país após uma mulher de 22 anos morrer sob custódia da polícia da moralidade. São os protestos anti-governo mais longos desde a revolução islâmica de 1979, de acordo com a BBC.

Na China, o ressentimento com as rigorosas políticas zero-Covid do país transbordou em protestos incomumente longos que, em alguns momentos, questionaram a legitimidade do governo de Xi Jinping. O governo chinês respondeu com repressão, mas também aliviou as políticas Covid, cedendo parcialmente às demandas da população.

As manifestações também revelaram algo maior: a propaganda chinesa argumentou por muito tempo que o modelo de um único partido do país é mais eficiente e eficaz do que os sistemas competitivos das democracias ocidentais. No entanto, o manejo da China com a Covid e a consequente crise econômica e revolta pública mostram como o governo erra e causa grandes crises.

Os EUA também evitaram algumas ameaças potenciais à democracia. Aqueles que negavam o resultado da eleição presidencial que elegeu o democrata Joe Biden, perderam as eleições intermediárias[1] e acabaram aceitando o resultado. Donald Trump, que continuou a questionar, sem provas, o resultado da eleição de 2020, também viu suas perspectivas políticas prejudicadas depois que muitos dos seus candidatos perderam.

Olhando para frente

Um bom ano não significa que a recessão democrática global acabou, alertaram os especialistas.

Com relação ao apoio à Ucrânia, “estamos vendo uma fadiga”, disse Jennifer McCoy, cientista política da Universidade Estadual da Geórgia. Os ocidentais podem retirar o apoio se isso significar lidar com preços mais altos de energia por muito mais tempo, acrescentou. “É uma questão que se impõe: por quanto tempo as populações continuarão a se sacrificar por essa causa?”

Ainda há outros pontos de tensão. O primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, supervisionou o declínio das liberdades civis e o colapso lento da mídia independente do país. A Indonésia aprovou uma lei, mês passado, restringindo a liberdade de expressão. O novo governo de Israel ameaça a independência do judiciário. Na Hungria, o primeiro-ministro Viktor Orban foi reeleito após manipular regras a seu favor. Tentativas de golpe no Peru e na Guiné-Bissau também expuseram a fragilidade de governos democráticos.

No entanto, considerando os últimos anos de más notícias, até um ano de cenário misto pode ser um alívio bem-vindo. “Foi um ano muito melhor do que poderia ter sido – mas a partir de um limite muito baixo”, disse Rachel Kleinfeld, pesquisadora sênior do Programa para Democracia, Conflito e Governança da Universidade de Carnegie.

É difícil antever os rumos a partir de agora, mas, de qualquer forma, 2022 mostrou que as democracias são capazes de reagir.


Notas:

[1] Midterm elections (no original, em inglês): Eleições intermediárias são eleições que ocorrem a meio do mandato do presidente dos Estados Unidos, geralmente dois anos após a eleição presidencial. Nessas eleições, são escolhidos membros do Congresso dos Estados Unidos, incluindo os senadores e os deputados. As eleições intermediárias também são chamadas de eleições de meio de mandato ou eleições de meio de período.


Sobre o tradutor: Pedro Galhardo é Bacharel em Direito, Tecnólogo em Comércio Exterior e pós-graduado em Diplomacia e Relações Internacionais. É fluente em inglês e estudante do francês e do espanhol. Traduz textos de relevância geopolítica desde, pelo menos, 2017. Com a tragédia que se sucedeu ao avanço desenfreado das fake news pelo mundo, acabou se tornando, também, jornalista e edita, revisa, traduz e redige boa parte das matérias deste site. Entre as suas atividades extracurriculares, ou hobbies, estão a música, a vela, a aviação, o mercado financeiro y otras cositas más.