Um estudo publicado nesta quinta-feira na revista *Nature Reviews Earth & Environment* revela como o El Niño–Oscilação Sul (ENOS) influencia diretamente a pesca em regiões da África e da América do Sul, alterando padrões de chuvas, ventos e nutrientes oceânicos que sustentam a cadeia alimentar marinha.
O ENOS representa a alternância entre o aquecimento (El Niño) e o esfriamento (La Niña) das águas do Oceano Pacífico, originado de variações na pressão atmosférica e nas circulações oceânicas e atmosféricas. Esse fenômeno global propaga efeitos pelo Atlântico, modificando a temperatura, salinidade, oxigênio e aporte de nutrientes das descargas fluviais, o que impacta o fitoplâncton – base da alimentação de peixes e crustáceos comercialmente valiosos.
Os impactos não são uniformes: variam conforme a região, espécie explorada, estação do ano e até a década analisada. No Norte do Brasil, o El Niño atua via tropical, reduzindo chuvas na Amazônia, como em 2023 e 2024. Isso diminui a pluma do rio Amazonas, que leva nutrientes essenciais à costa do Norte e Nordeste. “Essa pluma contém nutrientes que são a base da cadeia alimentar”, explica a professora Regina Rodrigues, da Universidade Federal de Santa Catarina, uma das autoras do artigo. A redução pode prejudicar a produtividade pesqueira em geral, mas beneficia o camarão marrom, graças à menor turbidez e maior penetração solar.
Já no Sul do Brasil, o El Niño chega pela via extratropical, associado a chuvas intensas, como as do Rio Grande do Sul em 2024. O maior fluxo de água doce e nutrientes favorece certas espécies de peixes. Na região central do Atlântico Sul, o fenômeno impulsiona a captura da albacora, um atum de alto valor comercial.
Ronaldo Angelini, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte e coautor, enfatiza a integração de processos físicos, biogeoquímicos e ecológicos para entender essas variações. “Essa abordagem ajuda a explicar por que respostas observadas na pesca nem sempre são lineares ou consistentes ao longo do tempo”, afirma ele, especialmente com as mudanças climáticas intensificando a frequência e força do ENOS.
O estudo, fruto de um projeto internacional financiado pela União Europeia com participantes da Europa, África e Brasil, aponta lacunas como a falta de séries históricas de dados pesqueiros e limitações de satélites. Propõe modelos quantitativos com estimativas de incerteza para distinguir sinais do ENOS de outras variações. “Esse roteiro viabiliza a construção de modelos comparáveis, essenciais para separar sinais de ENOS de outras variabilidades”, destaca o pesquisador.
Não há uma resposta única do Atlântico ao ENOS, o que exige estratégias de manejo localizadas para cada estoque pesqueiro e comunidade. Diante da escala global, os autores defendem monitoramento oceânico coordenado, ampliando redes existentes com protocolos comuns, dados interoperáveis e séries temporais comparáveis, superando limitações de ações isoladas por país.

