O juiz da 1ª Vara da comarca de Floriano, Noé Pacheco de Carvalho, declarou que não houve “aberração” na decisão tomada por ele no dia 29 de março e que, entre “defender a toga e um filho”, ele iria preferir defender o filho. A declaração foi feita à TV Globo depois que ele decidiu conceder liberdade provisória ao próprio filho, atuado por lesão corporal culposa (sem intenção) e embriaguez ao volante, após se envolver em um acidente que deixou uma mulher ferida.
“O menino foi levado para o distrito policial e era um caso de liberdade provisória, era réu primário, com bons antecedentes, um acidente sem maiores consequências, assumi todos os riscos e concedi a liberdade, mas apliquei medidas cautelares”, disse o magistrado em áudio enviado à TV Globo.
Ele declarou ainda que tomaria essa decisão em qualquer outra situação semelhante e não apenas porque o autuado era seu filho.
“[Fiz] da mesma forma que faria para qualquer outro preso na mesma situação e parto do entendimento de que da mesma forma como é urgente você decretar uma prisão preventiva, se faz urgente também você conceder liberdade naqueles casos em que a lei permite e assim foi feito. Não há nenhuma aberração nisso”, declarou.
Ele comentou ainda sobre a decisão de não aplicar fiança no caso, justificando que o filho não possui renda própria.
“A família não tem obrigação de pagar fiança, se a pessoa não dispõe de renda própria. O que diz a lei? Concede-se liberdade sem fiança e mediante outras medidas cautelares, isso foi feito a ele e se faz para toda e qualquer pessoa em Floriano, nas mesmas circunstâncias, não houve privilégio nesse sentido”, justificou.
O magistrado disse ainda que tomou a decisão porque temia pela segurança do filho, de ficar preso em uma cela que não lhe oferecia segurança. Além disso, disse que entre defender a magistratura e defender um filho, defenderia o filho.
“Temi pela própria integridade física do garoto. Imagina você botar o filho de um juiz na mesma cela de outra pessoa sabendo que aquele rapaz é filho do juiz. Entre defender a toga e defender um filho meu, ainda prefiro defender um filho, principalmente vendo que nas circunstâncias, eu estava diante de uma situação em que era permitido. Estou preparado para tudo, não vou baixar a cabeça, no dia que essa toga não me pertencer mais, não vou morrer também”, declarou ele.
O que diz a lei
Cinthia Menescal, doutora em direito penal, disse que “em nenhuma circunstância” a decisão poderia ter sido tomada por ele, ainda que a situação de fato previsse a liberdade provisória.
O próprio juiz, na decisão, destacou que a situação previa impedimento técnico, já que ele era pai do autuado. O impedimento consta no artigo 144 do Código de Processo Civil, que diz que “há impedimento do juiz, sendo-lhe vedado exercer suas funções no processo” quando “for parte no processo ele próprio, seu cônjuge ou companheiro, ou parente, consanguíneo ou afim, em linha reta ou colateral, até o terceiro grau, inclusive”.
“Em nenhuma circunstância ele poderia ter decidido. O impedimento não abre margem a discussão, ele é absoluto e impede quando há relação entre pai e filho, cônjuges, não há discussão”, declarou.
Corregedoria do TJ PI apura
A Corregedoria Geral de Justiça determinou abertura de procedimento para apurar “eventuais irregularidades” na decisão do magistrado.
A abertura do procedimento de apuração foi informada pela Corregedoria do órgão, sob comando do desembargador Fernando Lopes e Silva Neto, em nota à imprensa (leia a íntegra ao fim da reportagem).
Corregedoria do TJ do Piauí apura conduta de juiz que determinou soltura do filho — Foto: Reprodução
Ainda sobre o caso, a Corregedoria informou que o juiz já foi notificado sobre a abertura da apuração.
A Associação dos Magistrados do Piauí (Amapi), também por meio de nota (leia a íntegra ao fim da reportagem), informou que está acompanhando o caso para garantir o direito à ampla defesa do magistrado.
Autuado em flagrante por lesão corporal e embriaguez ao volante
Na decisão, o juiz citou as informações registradas no auto de flagrante feito pela Polícia Civil. Conforme os relatos, policiais militares foram informados, por volta das 22h de domingo (28), sobre um acidente de trânsito na Avenida Santos Dumond, em Floriano, que deixou Elisabeth Pereira ferida sem gravidade.
“Eu não vi o carro, só senti que tinha alguma coisa atrás de mim. A minha sorte foi o capacete, onde peguei a pancada, ele ficou ralado e minha cabeça também”, disse.
Ela estava saindo de casa com o namorado. Cada um pilotava uma motocicleta quando ela foi atingida. O namorado da vítima conseguiu interceptar o veículo envolvido no acidente, que era conduzido por Lucas Manoel, filho do juiz. Um exame apontou a embriaguez ao volante, segundo a decisão.
Lucas Manoel foi preso em flagrante delito e conduzido para o distrito policial. Lucas é obrigado a comparecer a todos os atos do processo para os quais for intimado, assim como informar eventual mudança de endereço residencial.
Ele responderá por lesão corporal culposa (sem intenção) e embriaguez ao volante.
Veja a íntegra da nota da Corregedoria do TJPI:
Nota à imprensa
A respeito de decisão do magistrado Noé Pacheco de Carvalho, juiz da 1ª Vara da comarca de Floriano, proferida no dia 29/03, em favor de seu filho, Lucas Manoel Soares Pacheco, a Corregedoria Geral da Justiça do Estado do Piauí informa que foi determinada a abertura de procedimento para apuração de eventuais irregularidades na conduta do magistrado, sendo assegurado o direito fundamental ao contraditório e à ampla defesa. Informa, ainda, que já foi procedida a notificação do magistrado.
Por fim, ressalta-se o compromisso da Corregedoria Geral da Justiça do Estado do Piauí com as boas práticas jurisdicionais e a efetividade dos serviços de primeiro grau do Tribunal de Justiça do Estado do Piauí.
Atenciosamente,
Desembargador Fernando Lopes e Silva NetoCorregedor-geral da Justiça do Estado do Piauí
Veja íntegra da nota da Amapi:
Nota ao G1
A Associação dos Magistrados Piauienses informa que está acompanhando o desenrolar do caso citado, juntamente com sua Assessoria Jurídica, para que o direito fundamental ao contraditório e à ampla defesa do magistrado seja respeitado.
Leonardo BrasileiroPresidente da AMAPI
Com informações do G1