A cidade do Rio de Janeiro viveu, nesta terça-feira, 28 de outubro, um dos dias mais violentos de sua história por conta da megaoperação policial deflagrada nos complexos da Penha e do Alemão. A operação, batizada de “Contenção”, mobilizou cerca de 2,5 mil policiais com o objetivo declarado de capturar lideranças do Comando Vermelho e frear a expansão territorial da facção. O resultado, porém, foi além do proporcional: ao menos 64 pessoas morreram, sendo 60 civis e quatro agentes de segurança. O número de mortes — maior até do que a soma das duas maiores operações anteriores, Jacarezinho (2021) e Vila Cruzeiro (2022) — coloca o episódio como o mais letal já registrado em uma ação policial no estado. Além das vidas perdidas, mais de 80 pessoas foram presas, 11 civis e oito policiais ficaram feridos, e pelo menos três pessoas foram atingidas por balas perdidas — entre elas, uma mulher em uma academia, um morador de rua e um homem em um ferro-velho.
A operação foi precedida por mais de um ano de investigação, que identificou 94 integrantes do Comando Vermelho acusados de assassinato, tráfico e roubo de carros. As 27 favelas dos dois complexos, localizadas em áreas de difícil acesso e próximas a vias importantes como a Linha Vermelha e a Linha Amarela, foram palco de intensos confrontos. Criminosos responderam com tiros, barricadas em chamas — dezenas de fogueiras de pneus e móveis se espalharam pela cidade — e até mesmo o uso de drones para lançar bombas. Cenas de fugas em fila indiana pela mata, semelhantes às registradas na ocupação do Alemão em 2010, foram relatadas por testemunhas e pela imprensa.
O impacto na vida dos moradores foi imediato e profundo. Vias principais foram bloqueadas por ordem da facção e pela própria polícia, transformando a cidade em um labirinto de obstáculos. Estações de metrô e pontos de ônibus ficaram abarrotados de pessoas tentando retornar para casa, muitas delas sem sucesso. A professora Marise Flor, que ficou no meio de um tiroteio ao tentar voltar para casa de ônibus, descreveu o desespero de precisar se esconder sob a roleta de uma estação para fugir dos tiros. “Em seguida, desabei. Tive uma crise de choro”, contou. Seu filho tentou buscá-la de carro, mas ficou preso em outro bloqueio.
A atendente Mariana Colbert, grávida de quatro meses, enfrentou barricadas montadas com mais de 50 ônibus bloqueando as ruas do Engenho da Rainha. Ela precisou caminhar até um bairro vizinho para conseguir pegar um ônibus, e mesmo assim o motorista desviou o trajeto para evitar áreas de confronto. “Muita gente não foi trabalhar, muitas lojas ficaram fechadas”, relatou. Ao retornar para casa, encontrou as ruas liberadas, mas tomadas por um grande efetivo policial.
A operação interrompeu serviços essenciais, fechou escolas e suspendeu a rotina de milhares de pessoas nas regiões afetadas. A Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro emitiu nota manifestando “extrema preocupação” com a escalada de violência, classificando a ação como um retorno das favelas a um “cenário de guerra e barbárie”. Prometeu cobrar explicações das autoridades sobre as circunstâncias da operação, que já é alvo de críticas dentro e fora do país.
Enquanto isso, o governo do estado defende a ação como necessária para combater o crime organizado e afirma que a operação é a maior em 15 anos. O saldo, porém, vai além dos números: revela o medo, a insegurança e a sensação de abandono de moradores que, mais uma vez, viram suas comunidades transformadas em campos de batalha. O Rio de Janeiro amanheceu com marcas de fumaça no céu, ruas vazias e um questionamento urgente sobre o custo humano das chamadas “operações de paz”.

