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Estado usa leis para justificar mortes contra negros, diz pesquisador

A engrenagem que justifica e racionaliza as mortes contra a população negra no Brasil se apoia nas leis e regras jurídicas, o que contribui para a manutenção dessa barbárie estrutural, segundo o professor de Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Thiago Amparo. Durante o debate “Racismo, segurança pública e democracia”, realizado na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Amparo apresentou pesquisas do Centro de Pesquisa de Justiça Racial e Direito da FGV que revelam como o sistema jurídico, em vez de conter a violência, muitas vezes a legitima e encobre por meio de normas e interpretações legais.

Um exemplo emblemático dessa lógica é a aplicação seletiva da legítima defesa, que abre espaço para abusos cometidos por agentes do Estado. No caso de Evaldo Rosa, músico morto em 2019 após militares do Exército dispararem 257 tiros contra seu carro enquanto ele seguia com a família, a alegação oficial foi legítima defesa, apesar da contestação da viúva, que afirmou que “257 tiros você atira para matar”. A redução das condenações dos militares pelo Superior Tribunal Militar em 2024 ilustra a dificuldade em responsabilizar efetivamente agentes públicos.

O problema se aprofunda no âmbito do Ministério Público de São Paulo, onde 95% dos processos contra policiais acusados de homicídios policiais são arquivados, e daqueles que chegam a júri, 95% resultam em absolvição. A seletividade racial também se manifesta nas áreas em que ocorrem essas mortes — territórios específicos, faixa etária entre 19 e 29 anos e a predominância de jovens negros. Para o ouvidor da polícia paulista, Mauro Caseri, a adoção de câmeras corporais para toda a tropa da Polícia Militar poderia ser uma medida eficaz para reduzir mortes de policiais e civis, além de garantir maior cumprimento dos protocolos de abordagem.

No âmbito processual, Thiago Amparo destaca o desrespeito contínuo a normas de direito e a fragilidade na produção de provas. Investigação aponta que muitas provas em casos de tráfico e mortes decorrentes de intervenção policial foram obtidas mediante invasões irregulares a domicílios, mas justificadas como autorizações de entrada pela pessoa, o que compromete a legalidade dos processos. A carência de perícias eficazes, como exames de pólvora, também fragiliza a responsabilização por mortes causadas por policiais. Muitas vezes, vestígios importantes desaparecem antes mesmo da análise pericial, comprometendo a verdade dos fatos.

Essa estrutura de opacidade nos dados e seletividade na aplicação das regras jurídicas constitui um projeto político de manutenção da violência contra pessoas negras. Apesar da democracia vigente, há uma continuidade das barbáries típicas do período da ditadura militar, que se manifestam nas formas como as mortes são cometidas e justificadas. A pesquisa “Mapa da Injustiça” revelou que 40% das vítimas apresentavam sinais de agressão anterior, enquanto os processos frequentemente sustentam narrativas baseadas exclusivamente na palavra dos policiais envolvidos, dificultando a comprovação dos fatos e a responsabilização efetiva.

Assim, as regras jurídicas e o sistema judicial acabam por reforçar uma necropolítica velada, em que se decide quem pode viver e quem deve morrer, e promovem a banalização da violência contra a população negra no Brasil. Este cenário revela a urgência de reformas estruturais que rompam com essa lógica de seletividade e impunidade racial e garantam a proteção dos direitos humanos e a igualdade perante a lei.

Fonte: Agência Brasil – Matéria Original (Clique para ler)
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