O ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal, destacou nesta quinta-feira (23) a necessidade urgente de investigar e punir eventuais irregularidades em repasses de emendas parlamentares conhecidas como “emendas Pix” realizadas entre 2020 e 2024. Durante audiência pública no STF sobre transparência e rastreabilidade desse tipo de emenda, Dino afirmou que é obrigação dos órgãos de controle e da Justiça apurar cada caso, sob o risco de ocultar um “tapete gigante” de possíveis desvios de recursos públicos. Ele enfatizou que nenhum órgão razoável poderia ignorar a importância de fiscalizar o destino dessas verbas.
As emendas Pix ganharam esse nome porque, antes da intervenção do Supremo, permitiam a transferência direta de recursos do Orçamento da União para contas genéricas de estados ou municípios, sem controle claro sobre o destino final do dinheiro, o parlamentar responsável pela indicação ou a aplicação concreta dos recursos. Criadas em 2019, essas transferências tornaram-se alvo de intenso questionamento no STF e na sociedade civil por sua opacidade, levando o Supremo a impor, desde 2022, regras mais rígidas de transparência, como a exigência de plano de trabalho detalhado para toda emenda parlamentar.
Apesar do avanço no novo modelo de transparência, praticado atualmente, há uma grande defasagem na análise dos relatórios de gestão referentes ao período de 2020 a 2024: cerca de 35 mil documentos ainda precisam ser examinados, equivalentes a aproximadamente R$ 20 bilhões em repasses. A maioria desses relatórios foi entregue de forma retroativa por ordem do Supremo. Dino ressaltou que a investigação de cada um desses planos de trabalho é fundamental para garantir que o dinheiro público foi, de fato, aplicado em benefício da sociedade, e não desviado ou mal empregado.
O ministro negou que a mobilização dos órgãos de controle tenha caráter persecutório contra o Legislativo, como alegado por alguns congressistas. Segundo ele, o objetivo é esclarecer se houve condutas irregulares, destacando: “Quero crer que a grande maioria dos 35 mil planos de trabalho resultaram em ganho para a coletividade, mas certamente e obviamente pode ter equívocos e crimes. Precisamos agora focar nisto”, disse.
O governo federal, em parceria com órgãos como a Controladoria-Geral da União (CGU), o Tribunal de Contas da União (TCU), a Advocacia-Geral da União (AGU) e o Ministério da Gestão e Inovação, já criou ferramentas para aumentar a transparência na execução das emendas Pix. Plataformas como o Parceriasgov.br permitem que qualquer cidadão acompanhe em tempo real a movimentação de recursos, com detalhes sobre o parlamentar responsável, o objetivo da emenda e o CNPJ do beneficiário final, além de receberem fotos georreferenciadas do andamento de obras financiadas com recursos federais.
A análise dos relatórios pendentes será feita de forma priorizada, com base em critérios técnicos como risco de desvio, municípios de menor desenvolvimento humano e tipos de objetos das emendas – onde, segundo o ministro, mutirões de cirurgias, eventos e shows costumam apresentar mais problemas. Dino também anunciou que notificará Ministérios Públicos e Tribunais de Contas estaduais para exigir que as regras federais de transparência sejam aplicadas às emendas Pix locais.
Como parte do novo ciclo de transparência, Dino determinou que todas as áreas de comunicação do governo, incluindo bancos públicos, façam campanhas de divulgação sobre as novas ferramentas de fiscalização. Segundo ele, o acesso à informação é fundamental para evitar a perpetuação de um modelo de desvios e má gestão. A audiência encerra um ciclo de debates sobre o tema, mas marca o início de uma fiscalização detalhada, metódica e inédita sobre o uso de recursos públicos no Brasil.

