O Cine Odeon, cartão-postal do centro do Rio de Janeiro, foi o cenário de uma noite emblemática neste domingo, quando a 27ª edição do Festival do Rio chegou ao fim com uma cerimônia marcada por encontros, emoções e o reconhecimento da força plural do cinema brasileiro. Com apresentação dos atores Clayton Nascimento e Luisa Arraes, a premiação teve o inovador retorno do voto popular, reforçando o vínculo entre o público e as produções nacionais. O evento reuniu artistas, produtores e cinéfilos, consolidando-se como um dos principais festivais audiovisuais da América Latina, com mais de 300 filmes exibidos em dez dias e cerca de 140 mil espectadores, um recorde de público que lotou salas e viveu intensamente o clima de festa característico do festival.
A diretora do evento, Ilda Santiago, em clima de celebração, enalteceu a vitalidade do festival, reforçando o seu papel como espaço de encontro entre realizadores e plateia: “O Festival do Rio segue como um espaço essencial para o cinema brasileiro e para o encontro entre realizadores e plateia. É uma festa da diversidade de olhares e vozes do audiovisual”, disse, capturando o espírito de uma edição que coroou o cinema nacional como grande protagonista. Das 120 produções brasileiras exibidas, distribuídas entre mostras competitivas, estreias e retrospectivas, o momento de maior destaque foi a conquista do Troféu Redentor de Melhor Longa de Ficção por “Pequenas Criaturas”, de Anne Pinheiro Guimarães, que também recebeu o prêmio de Melhor Direção de Arte.
Estrelado por Carolina Dieckmann e Caco Ciocler, o filme retrata o cotidiano de Helena, uma mãe que, nos anos 1980, se muda para Brasília com a família e precisa lidar, sozinha, com a distância do marido e com os desafios da maternidade, entre um adolescente revoltado e uma criança com olhar único sobre o mundo. Emocionada, a diretora revelou que a história nasceu de memórias pessoais: “Esse prêmio é da equipe toda. O filme nasceu há mais de dez anos, quando me tornei mãe e comecei a revisitar memórias da infância e da minha mãe. É uma obra sobre maternidade, saudade e o tempo.” A distribuidora Adriana Rattes celebrou a recepção calorosa do público: “Pequenas Criaturas chegou discretamente e conquistou o público. É uma honra distribuir um filme tão delicado e potente.”
A diversidade não ficou restrita à ficção. O troféu de Melhor Documentário foi para “Apolo”, codirigido por Tainá Müller e Ísis Broken. Em sua estreia na direção, Tainá falou sobre a importância de dar voz a quem é marginalizado e destacou o simbolismo de receber o prêmio no Dia das Crianças. “Sempre quis ter uma voz mais autoral. Esse prêmio reforça que podemos ocupar outros espaços dentro do audiovisual”, afirmou, reafirmando o papel de realizadoras que ousam experimentar novos caminhos. Já o longa “Ato Noturno”, de Marcio Reolon e Filipe Matzembacher, levou os prêmios de Melhor Filme Brasileiro no Prêmio Félix e Melhor Roteiro na Première Brasil.
A noite foi marcada ainda por fortes discursos de protagonismo e inclusão. Klara Castanho foi eleita Melhor Atriz por “#Salverosa”, e Gabriel Farias recebeu o prêmio de Melhor Ator por “Ato Noturno”. Diva Menner, premiada como Melhor Atriz Coadjuvante por “Ruas da Glória”, dedicou o troféu às ancestrais travestis que não tiveram oportunidades. “Este é um prêmio de resistência”, declarou, em coro com outras vozes femininas que marcaram presença em praticamente todas as categorias, seja na direção, no roteiro ou atuação.
O Prêmio Especial do Júri homenageou Leandra Leal e Ângela Leal por “Nada a Fazer”, enquanto o documentário “Cheiro de Diesel”, de Natasha Neri e Gizele Martins, conquistou o Voto Popular e o Prêmio Especial do Júri. Entre os novos talentos, Ana Flavia Cavalcanti levou o prêmio de Melhor Atriz na mostra Novos Rumos por “Criadas”, emocionando ao dedicar o reconhecimento à mãe: “Minha mãe fez muita faxina para eu estar aqui. Este prêmio é dela também.”
O Festival do Rio também abriu espaço para produções estrangeiras inovadoras, como “A Sapatona Galáctica” (“Lesbian Space Princess”), das australianas Leela Varghese e Emma Hough-Hobbs, premiada como Melhor Longa no Félix Internacional. O documentário “Copacabana, 4 de Maio”, do brasileiro Allan Ribeiro, levou Melhor Documentário na seção internacional.
Nos bastidores, o clima era de entusiasmo e esperança. Anna Luiza Müller, assessora de imprensa experiente no cinema brasileiro, comentou sobre o renascimento da energia em torno das produções nacionais, enquanto Vinícius de Oliveira, revelado em “Central do Brasil”, retornou ao festival com um longa internacional produzido nos Estados Unidos, celebrando a continuidade do amor pelo cinema.
Encerrando um ciclo de sessões lotadas, debates acalorados e encontros de mercado no RioMarket, o Festival do Rio reafirmou sua vocação de ser mais do que uma vitrine: “É um espaço de resistência, de encontro e de celebração da arte”, resumiu Walkiria Barbosa, uma das diretoras do evento. Entre veteranos e novos talentos, a geração que cresceu com a retomada do cinema brasileiro e a geração que ousa experimentar novas narrativas, a 27ª edição celebrou a diversidade, a criatividade e a força transformadora do cinema nacional. O desafio, agora, é dar continuidade a esse movimento, ampliar o alcance das produções e garantir que a arte siga ecoando além das salas de cinema, no coração da sociedade.

