Home / Brasil e Mundo / Haddad diz que cortar benefícios tributários é combater privilégios

Haddad diz que cortar benefícios tributários é combater privilégios

No turbilhão da política econômica brasileira, a semana foi marcada pelo fim precoce da Medida Provisória 1303/2025, que previa a taxação de rendimentos de aplicações financeiras e apostas esportivas — as chamadas “bets” — como contrapartida à revogação do aumento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF). Retirada da pauta da Câmara dos Deputados antes de ser apreciada, a MP caducou e, com ela, evaporaram-se perspectivas de arrecadação adicional de bilhões para o Orçamento nos próximos anos, segundo cálculos do Ministério da Fazenda. O episódio reacendeu o debate sobre isenções, privilégios tributários e o delicado equilíbrio das contas públicas.

Em audiência pública no Senado, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, defendeu com veemência a lógica por trás da proposta. Para ele, retirar benefícios temporários concedidos a certos setores não significa aumentar impostos, mas, sim, corrigir distorções que beneficiam minorias em detrimento da sociedade como um todo. “É muito curioso que setores muito conservadores tratam o corte de gastos tributários como aumento de tributo e não como o fim de um privilégio”, disse Haddad, destacando que a MP buscava apenas enquadrar atividades econômicas que hoje têm tratamento diferenciado, como rendimentos do mercado financeiro e das apostas esportivas, ao padrão do restante da economia. “Todos pagam tributos. Quando alguém escapa, o ônus recai sobre toda a sociedade”, argumentou.

O governo estimava que a medida renderia até R$ 17 bilhões já em 2026, recursos essenciais para fechar as contas públicas em meio a um cenário de restrições fiscais. Sem a aprovação, a equipe econômica terá que buscar alternativas, que podem incluir cortes de despesas e até mesmo revisão de emendas parlamentares. Haddad reconheceu que, com a rejeição da MP, o Congresso precisará lidar com escolhas difíceis, especialmente em um calendário legislativo apertado, com encaminhamentos necessários para a aprovação do Orçamento antes do final do ano.

A polêmica não se restringiu ao aspecto fiscal. Durante a audiência, Haddad rebateu críticas de que tributar apostas esportivas e grandes fortunas seria “injusto”. “Taxação de bets e bilionários só é injusta para desinformados”, afirmou. O ministro lembrou que, em todo o mundo, atividades com externalidades negativas ou que criam dependência — como jogos de azar — costumam ser taxadas de forma diferenciada, justamente para compensar seus efeitos sociais. “No caso das bets, eles precisam dar uma contribuição diante dos efeitos colaterais que geram dependência”, disse.

A audiência também trouxe à tona críticas de parlamentares ao processo decisório. O senador Renan Calheiros, relator do projeto que isenta de Imposto de Renda quem ganha até R$ 5 mil por mês, lamentou a rejeição da MP, classificando o episódio como um “inegável rebaixamento da agenda do país” em prol de interesses de minorias privilegiadas. Haddad, por sua vez, sugeriu que os deputados poderiam ter, ao menos, votado as medidas de revisão de gastos primários contidas na MP, que incluíam ajustes em cadastros e outras correções administrativas, embora reconhecesse que os temas mais espinhosos, como supersalários e aposentadorias militares, permanecem em aberto.

O debate sobre benefícios fiscais ganhou contornos constitucionais. Haddad lembrou que a Constituição prevê a revogação de isenções não essenciais, frisando que concessões permanentes só fazem sentido em casos excepcionais, como o das Santas Casas, que recebem tratamento diferenciado por desempenharem papel fundamental no SUS. “Programas de renúncia fiscal não podem ser eternos, a não ser em casos muitos específicos”, afirmou, defendendo que o Estado deve evitar a criação de privilégios perenes, que acabam por distorcer a carga tributária e aumentar a desigualdade.

O impasse da MP 1303 revela, portanto, mais do que uma disputa sobre números ou balanços. Coloca em xeque a capacidade do país de rever privilégios historicamente constituídos e de garantir que todos contribuam de forma justa para o financiamento do Estado. Ao mesmo tempo, expõe as dificuldades de o Executivo avançar em reformas tributárias e de gestão fiscal diante de um Congresso fragmentado e sob forte pressão de lobbies setoriais.

O governo, agora, corre contra o tempo para encontrar alternativas ao rombo orçamentário deixado pela derrubada da medida, ao passo que líderes políticos, empresários e sociedade civil monitoram de perto os próximos passos. O desafio, resumiu Haddad, não é apenas aritmético, mas, sobretudo, ético: garantir que a tributação seja instrumento de redução de desigualdades, e não de perpetuação de privilégios. “Esse projeto tem esse mérito. É um projeto que ataca a desigualdade. É isso que ele visa. Ele começa a corrigir a desigualdade produzida pelo próprio Estado”, encerrou o ministro, numa defesa que transcende a disputa fiscal e alcança o cerne da discussão sobre justiça e igualdade no Brasil.

Fonte: Agência Brasil – Matéria Original (Clique para ler)