O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) negou, na última quarta-feira, a licença prévia para a instalação da Usina Termelétrica (UTE) Brasília, da Termo Norte Energia Ltda, projeto que previa a construção de uma térmica a gás natural com potência de 1.470 MW na Fazenda Guariroba, entre as regiões administrativas de Samambaia e Recanto das Emas, no Distrito Federal. A decisão, assinada pelo presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho, inviabiliza o início do licenciamento ambiental e impede a participação do empreendimento em futuros leilões de energia.
A análise técnica do Ibama apontou riscos ambientais e sociais que vão além das exigências legais. O local escolhido apresenta relevância ecológica, servindo de área de pouso e conectividade para espécies migratórias do Cerrado, e seria impactado diretamente pela supressão de quase 32 hectares de vegetação nativa. Outro aspecto crítico é a pressão sobre o já degradado Rio Melchior, classificado como corpo hídrico de Classe 4, que receberia efluentes da usina e sofreria com o consumo intensivo de água para resfriamento dos reatores. O empreendimento também enfrenta pendências de regularização para o uso de recursos hídricos, tendo a outorga suspensa pela Justiça, além da falta de Certidão de Uso e Ocupação do Solo, descumprindo a Resolução nº 237/1997 do Conama.
Do ponto de vista social, o parecer do Ibama destacou um impacto direto e irreversível sobre a Escola Classe Guariroba, única instituição pública que atende crianças em situação de vulnerabilidade na região rural. A relocação da escola, segundo o órgão, traria prejuízos pedagógicos, sociais e culturais para a comunidade, contrariando o interesse público e o direito fundamental à educação. O projeto, se viabilizado, afetaria ainda cerca de 330 mil moradores das regiões de Samambaia, Recanto das Emas, Sol Nascente e Ceilândia, com potencial agravamento de problemas de saúde pública, especialmente doenças respiratórias causadas pela poluição atmosférica.
A decisão de barrar a UTE Brasília é vista como uma vitória da mobilização popular. Movimentos sociais, ambientalistas e moradores se articularam por quase um ano em mais de cem eventos, pressionando autoridades e participando ativamente do processo de licenciamento. A forte resistência comunitária foi decisiva para que o Ibama considerasse, além dos critérios técnicos, os impactos sociais e ambientais na região. A negativa da licença prévia também tem efeito cascata: inviabiliza outras três termelétricas — UTE Bonfinópolis, UTE Centro-Oeste e UTE Brasil Central —, todas ligadas ao Gasoduto Brasil Central, cujo licenciamento está vencido há mais de seis anos. Se instaladas, essas usinas emitiriam juntas mais de 12 milhões de toneladas de CO₂ equivalente por ano, agravando ainda mais a poluição no Cerrado.
Ambientalistas criticam a proposta da termelétrica como um exemplo de racismo ambiental, pois concentra impactos negativos em áreas periféricas já vulneráveis. A usina seria construída em uma região que já convive com aterro sanitário, estação de tratamento de esgoto e histórico de falta d’água, piorando ainda mais as condições de vida da população local. Segundo especialistas, não há benefícios claros para a comunidade, apenas riscos à saúde, ao ambiente e à educação.
Em nota, a Termo Norte Energia afirmou que está analisando o parecer do Ibama e poderá recorrer dentro do prazo legal, mantendo o compromisso com o cumprimento da legislação ambiental. No entanto, a decisão do órgão ambiental coloca em xeque um projeto que vinha sendo discutido há mais de duas décadas, sem nunca sair do papel, e reforça o papel da sociedade civil na defesa do interesse público e da sustentabilidade no Distrito Federal. A reportagem mostra que, ao final, a pressão popular e a análise técnica criteriosa prevaleceram sobre interesses privados, garantindo a proteção do Cerrado, dos recursos hídricos e da comunidade local.

