# As Cotas Raciais e a Luta Contínua pela Igualdade no Brasil
A população negra brasileira vive um momento de conquistas significativas e desafios persistentes. Enquanto políticas de ações afirmativas nas universidades e concursos públicos transformaram o acesso à educação superior e ao funcionalismo, ativistas alertam que a igualdade racial ainda permanece como um cenário distante em um país marcado por violência estrutural e resistências conservadoras.
Os números evidenciam a transformação trazida pelas cotas raciais implementadas em 2012. Entre 2001 e 2021, a presença de estudantes pretos, pardos e indígenas nas universidades públicas saltou de 31,5% para 52,4%, enquanto estudantes das classes D e E passaram de 20% para 52% dos matriculados. Matrículas por cotas raciais em universidades federais aumentaram 266% entre 2012 e 2023, passando de 14.262 para 52.256. A taxa de concluintes cresceu ainda mais dramaticamente, de 1.780 em 2012 para 26.151 em 2023 — um aumento de 1.369,2%.
Nos primeiros 10 anos da Lei de Cotas, entre 2012 e 2022, o número de alunos negros nas universidades aumentou em 200%. Recentemente, o Instituto Tecnológico de Aeronáutica registrou um marco histórico ao admitir 49 alunos autodeclarados pretos ou pardos entre os 180 aprovados em 2025, ante apenas 10 no ano anterior. Essa vitória reflete a expansão da rede pública de educação superior, tanto em regiões de interior, quanto a expansão do setor privado e políticas públicas de financiamento e bolsas de estudo.
A dimensão econômica da mudança também se reflete em dados gerais sobre instrução. A parcela de população preta e parda de 25 anos ou mais com ensino superior completo quintuplicou em 22 anos no Brasil. Ainda assim, a parcela de brancos com ensino superior é mais que o dobro da de pretos e pardos, mostrando que desigualdades raciais permanecem nas universidades e além delas.
As políticas afirmativas expandiram-se para concursos públicos. Em maio de 2025, o Senado ratificou a prorrogação por mais 10 anos da reserva de vagas, ampliando para 30% o percentual de vagas reservadas para pessoas negras, indígenas e quilombolas em concursos públicos e processos seletivos simplificados de órgãos públicos. No Concurso Público Nacional Unificado realizado em 2024, 33% dos selecionados ingressaram por meio de cotas para pessoas negras, indígenas e pessoas com deficiência.
No âmbito do governo federal, o decreto de 2023 estabeleceu que no mínimo 30% dos cargos de liderança sejam ocupados por pessoas negras. Essa meta foi não apenas alcançada como superada: em 2023, 37,9% de pessoas pretas e pardas ocupavam funções de direção, número que subiu para 38,1% em 2024 e atingiu 38,6% até outubro de 2025.
Contudo, para ativistas do movimento negro, esses avanços, embora significativos, representam apenas passos iniciais em direção a uma verdadeira igualdade racial. A assessora política do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), Carmela Zigoni, enfatiza que o Brasil ainda está longe de alcançar uma equidade racial de fato. Ela alerta para o recrudescimento de práticas violentas de racismo, como a invasão armada de uma escola em São Paulo onde uma professora foi ameaçada por ensinar sobre cultura afro-brasileira. Apesar dos avanços recentes com a retomada da política de igualdade racial pelo governo federal, Carmela ressalta que a gestão anterior retirou a política de igualdade racial do plano de governo, representando um retrocesso institucional.
A ativista de direitos humanos e fundadora da ONG Criola, Lúcia Xavier, aponta que melhorias no ambiente político não podem ser interpretadas como avanço dos direitos da população negra. Embora reconheça ações afirmativas na educação como positivas, ela destaca que faltam trabalhos com melhores condições, há violência policial enorme e dificuldades de permanência nas universidades. A população negra continua exposta a níveis desproporcionais de violência e desigualdade.
Dados do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania revelam que entre janeiro e 16 de novembro de 2025, o Disque 100 recebeu 13.813 denúncias relacionadas a igualdade racial, incluindo racismo, injúria racial e violência política e étnico-racial, totalizando 26.901 violações. São Paulo lidera com 3.631 denúncias, seguido pelo Rio de Janeiro com 1.898 e Minas Gerais com 1.260. Mulheres são as principais vítimas, representando 51,51% das denúncias.
Apesar dos desafios, ativistas como Alane Reis, coordenadora da Revista Afirmativa, celebram conquistas que representam o rompimento do mito da democracia racial. As políticas afirmativas nas universidades e concursos públicos, aliadas ao direito constitucional das populações quilombolas, mesmo que ainda enfrentem dificuldades na implementação, constituem vitórias de décadas de organização política. Alane ressalta que essas políticas influenciaram a juventude negra, que hoje expressa orgulho de sua negritude e identidade, diferentemente de 20 ou 30 anos atrás, quando crianças negras se autodescreviam como “moreninhas” em forma amenizada.
A população negra, que representa 55% da população brasileira, permanece sub-representada nos espaços de poder. Mulheres negras representam apenas 2% do Congresso Nacional e nunca ocuparam uma cadeira no Supremo Tribunal Federal. Nas estatísticas sobre acesso à renda, educação e direitos civis e políticos, a população negra, especialmente as mulheres, ocupa os piores níveis sociais.
O caminho para a igualdade racial no Brasil segue repleto de obstáculos, mas as transformações nas universidades e no acesso ao funcionalismo público demonstram que a luta política coletiva da população negra produce resultados mensuráveis. O desafio agora é expandir essas conquistas para outros setores da sociedade, reduzir a violência racial, ampliar representação política e garantir que as políticas afirmativas continuem avançando em direção a uma verdadeira equidade racial.

