O governo brasileiro intensificou, nas últimas semanas, a articulação de uma resposta diplomática e comercial coordenada à decisão do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, de impor tarifas de até 50% sobre produtos brasileiros, medida anunciada em Washington e já em vigor sobre a maior parte das exportações do país para o mercado americano. Em Brasília, a reação envolve o Palácio do Planalto, Itamaraty, Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), Congresso Nacional e representantes do setor produtivo, em meio ao agravamento de uma crise política e econômica sem precedentes com a Casa Branca.
Desde o anúncio oficial das tarifas, o Planalto passou a tratar o tema como prioridade da agenda externa. O vice-presidente e ministro do MDIC, Geraldo Alckmin, assumiu a linha de frente nas conversas com industriais, exportadores e lideranças partidárias, defendendo que as sobretaxas são injustificadas e prejudicam tanto a economia brasileira quanto empresas e consumidores americanos. Paralelamente, o Ministério das Relações Exteriores coordena uma estratégia de “dupla via”: de um lado, a busca de negociação direta com Washington; de outro, a preparação de medidas jurídicas e comerciais em foros multilaterais, incluindo eventual recurso à Organização Mundial do Comércio (OMC).
No Congresso, a Comissão de Relações Exteriores do Senado constituiu um grupo de trabalho para organizar uma missão parlamentar a Washington, com o objetivo de dialogar com congressistas americanos, setores empresariais e formadores de opinião nos Estados Unidos. Senadores da base e da oposição convergem no diagnóstico de que a crise ultrapassa o campo estritamente comercial, mas divergem sobre as responsabilidades: governistas acusam Trump de instrumentalizar diferenças políticas internas brasileiras, enquanto oposicionistas responsabilizam a política externa do governo e decisões recentes do Supremo Tribunal Federal pelo endurecimento da Casa Branca.
As medidas de Trump foram apresentadas pelo governo norte-americano como resposta a supostas práticas comerciais desleais do Brasil e a alegadas ameaças à segurança nacional e à liberdade de expressão nos Estados Unidos, em especial após decisões do Judiciário brasileiro que atingiram grandes plataformas de tecnologia. A nova alíquota geral de 50% se soma a tarifas setoriais já existentes sobre aço, alumínio e automóveis e foi desenhada de forma ampla, ainda que com uma lista de exceções, atingindo centenas de produtos industriais, agroindustriais e de bens intermediários exportados por empresas brasileiras. O movimento reverte, em poucos meses, uma situação em que o Brasil ainda figurava entre os países com tarifas mais baixas no comércio com os EUA.
Diante do impacto potencial sobre a balança comercial e sobre o emprego em setores intensivos em exportação, o governo Lula decidiu evitar, num primeiro momento, uma escalada imediata de retaliações. A instrução política tem sido insistir em canais de diálogo, enfatizando que os Estados Unidos mantêm superávit relevante no comércio bilateral e lideram o estoque de investimentos diretos no Brasil, o que, segundo a visão oficial, tornaria as tarifas economicamente contraproducentes para ambos os lados. Ao mesmo tempo, a área econômica prepara cenários de resposta, que incluem a aplicação de medidas de reciprocidade sobre determinados produtos americanos e o redirecionamento de fluxos comerciais para outros mercados, em especial na Ásia.
As negociações bilaterais vêm ocorrendo em rodadas sucessivas, envolvendo chanceleres, equipes técnicas e interlocutores políticos indicados por Lula e Trump. Em algumas frentes, Washington acenou com a possibilidade de aliviar parte das sobretaxas, condicionando novas flexibilizações a contrapartidas que podem incluir concessões em barreiras tarifárias e não tarifárias brasileiras e discussões sobre regulação digital.
O governo brasileiro, pressionado pela indústria, passou a intensificar a articulação política para resistir a eventuais concessões consideradas excessivas. Entidades representativas do agronegócio e da indústria de transformação têm defendido que qualquer compromisso entre os dois países preserve a competitividade dos produtos nacionais e não comprometa políticas públicas estratégicas, sobretudo nas áreas de inovação e sustentabilidade.
Nos bastidores, diplomatas e técnicos avaliam que a crise inaugura uma nova fase nas relações bilaterais, marcada por imprevisibilidade e por uma crescente influência de questões políticas domésticas sobre as decisões de comércio exterior. Analistas observam que, embora o governo brasileiro busque preservar o diálogo e evitar medidas que possam agravar o conflito, o desgaste já repercute em setores sensíveis da economia e coloca à prova a capacidade de coordenação da política externa de Brasília.
Enquanto isso, o empresariado acompanha com apreensão a escalada de tensões. A expectativa é que as próximas semanas sejam decisivas para definir se prevalecerá uma solução negociada — capaz de conter danos e restabelecer a confiança — ou se o confronto comercial entre Brasil e Estados Unidos evoluirá para uma disputa prolongada nos principais organismos internacionais.
