Home / Paraíba / Juiz é denunciado por racismo religioso após negar ação de mãe de santo em João Pessoa; leia sentença gerou revolta

Juiz é denunciado por racismo religioso após negar ação de mãe de santo em João Pessoa; leia sentença gerou revolta

O juiz Adhemar de Paula Leite Ferreira Neto, do 2º Juizado Especial Cível de João Pessoa, foi denunciado por racismo religioso após negar uma ação movida por uma mãe de santo e acusá-la de intolerância contra um motorista de aplicativo. A denúncia provocou forte repercussão e levou o Ministério Público da Paraíba (MPPB) a abrir um procedimento para apurar a conduta do magistrado.​

Entenda

O episódio teve origem em março de 2024, quando Lúcia de Fátima Batista de Oliveira, mãe de santo de um terreiro de candomblé na capital paraibana, solicitou uma corrida pelo aplicativo Uber para se deslocar até uma consulta médica. Ao saber que o destino partia de um terreiro, o motorista cancelou a corrida e enviou uma mensagem de cunho religioso: “Sangue de Cristo tem poder, quem vai é outro kkkkk tô fora”.​

Em sua decisão judicial, o juiz Adhemar Ferreira Neto entendeu que a mensagem do motorista representava apenas a manifestação da própria fé e não configurava intolerância religiosa. Pelo contrário, ele afirmou que a mãe de santo teria agido com intolerância ao acionar a Justiça, decisão que causou indignação entre entidades da sociedade civil e defensores da liberdade religiosa, confira:

Ainda, a autora, a se ver da inicial, ao afirmar considerar ofensiva a ela a frase “Sangue de Cristo tem poder”, denota com tal afirmação que a intolerância religiosa vem dela própria. E, não, do motorista inicialmente selecionado pela ré para transportá-la. A sensibilidade, como cediço, é uma característica individual e dependente do contexto. Porém, não pode ser exteriorizada e imposta ao ponto de calar quem supostamente a fere em exercício regular de direito. Se, ìntimamente, o crente ofende-se com o que considera ofensa à sua crença, a tolerância o impele a afastar-se do convívio com o ofensor. E, não, a agredí-lo por isso.” (Trecho da Sentença do Juiz Adhemar de Paula Leite Ferreira Néto, íntegra abaixo).

Em outro trecho, o juiz argumenta que a mensagem do motorista, ainda que em tom jocoso, não teria o condão de ofender a vítima: “Também não se depreende da mensagem alegadamente ofensiva que o motorista selecionado pela ré tenha-se referido a pessoa da autora de forma depreciativa e discriminatória em face da crença da autora, diversa da dele. A mensagem possui apenas três frases: “Sangue de Cristo tem poder”, “quem vai é outro” e “kkkkk tô fora”. A última frase, mesmo considerando-se o baixo nível cultural da maioria das pessoas, em especial das do Brasil, não denota zombaria com a pessoa da autora. A própria ré, mesmo assumindo em parte as demandas da autora, em face da sua política DEI, defende o motorista inicialmente selecionado para realizar o transporte da autora e afirma que “a mensagem encaminhada à Autora pelo motorista, esta não continha xingamentos diretos, ameaças, calúnias ou expressões de baixo calão” (Trecho da Sentença do Juiz Adhemar de Paula Leite Ferreira Néto, íntegra abaixo).

Ministério Público

A promotora Fabiana Lobo, da Promotoria de Defesa da Cidadania, instaurou uma Notícia de Fato para investigar o caso. A denúncia foi apresentada pelo Instituto de Desenvolvimento Social e Cultural Omidewa, que classificou a sentença como uma expressão de intolerância religiosa institucionalizada e um exemplo de racismo estrutural dentro do sistema judiciário.​

A promotora determinou três ações imediatas: o envio do caso à Corregedoria Nacional de Justiça (CNJ) e à Corregedoria do Tribunal de Justiça da Paraíba (TJPB), além do encaminhamento de ofícios à Delegacia de Repressão a Crimes Homofóbicos, Étnico-Raciais e Delitos de Intolerância Religiosa (DECHRADI) e ao Centro Estadual de Referência da Igualdade Racial João Balula, para mapeamento de casos semelhantes no estado.​

Repercussões

O caso gerou ampla repercussão no meio jurídico e entre organizações de defesa da liberdade religiosa. Entidades afro-brasileiras afirmaram que a decisão do juiz representa um retrocesso no reconhecimento dos direitos das religiões de matriz africana e reforça estigmas históricos contra o candomblé e a umbanda.​

Em nota, o juiz Adhemar Ferreira Neto declarou que sua atuação está pautada pela legalidade e pelo código de ética da magistratura, e que não pode comentar um processo ainda em andamento. A Uber informou que o motorista envolvido foi banido da plataforma após a denúncia da cliente.​

A mãe de santo Lúcia de Fátima disse estar “abalada e consternada” com a decisão judicial e afirmou que recorrerá da sentença. Segundo ela, o episódio mostra “como o preconceito ainda se traveste de religiosidade no Brasil”.​

O caso agora será analisado pelo CNJ e pela Corregedoria do TJPB, que poderão abrir processos disciplinares para apurar a conduta do magistrado.​

Confira a íntegra da decisão:

Loader Loading…
EAD Logo Taking too long?

Reload Reload document
| Open Open in new tab