No extremo sul do planeta, o Continente Antártico tem menos de 1% de seu território com áreas livres de gelo. Ao todo são 2,4 milhões de hectares, dos quais apenas 107 mil hectares são cobertos por vegetação ao longo do verão austral, revela o estudo Mapbiomas Antártica. Considerada uma reserva natural internacional dedicada a fins científicos, essa é a primeira vez que as áreas livres de gelo e coberturas verdes da Antártica são mensuradas em escala continental.
A pesquisa foi desenvolvida por uma iniciativa científica brasileira, a partir de imagens de satélites associadas ao uso de algoritmos de machine learning e processamento em nuvem, devido ao grande volume de dados. O levantamento utilizou imagens dos satélites Sentinel-2, que passaram a oferecer cobertura e resolução adequadas para esse tipo de análise a partir de 2017. As imagens foram coletadas entre 2017 e 2025, abrangendo o período do verão austral, quando o Hemisfério Sul recebe mais luz solar e o gelo derrete parcialmente.
Segundo a pesquisadora Eliana Fonseca, que coordenou o mapeamento, o interesse pela dinâmica natural do Continente Antártico se justifica tanto pela maior compreensão sobre os efeitos da mudança do clima no local, quanto pelos possíveis impactos globais. “O mapa de áreas livres de gelo é essencial para o monitoramento da fauna do continente, pois os ninhos e o nascimento dos filhotes das espécies animais ocorrem nessas áreas durante o verão. O mapa de vegetação, por sua vez, fornece informações essenciais para avaliar a produtividade dos ecossistemas, permitindo monitorar as mudanças ambientais e regiões sensíveis”, destacou.
Para estudar a flora do local, os pesquisadores puderam observar saúde e densidade da vegetação usando um indicador de sensoriamento remoto, calculado a partir das imagens de satélites. “Durante o verão nas áreas livres de gelo crescem espécies de musgos, algas terrestres e gramíneas. Sobre as rochas ocorrem líquens, que podem ser observados não só nas áreas costeiras, mas também no interior do continente”, disse Eliana Fonseca.
A vegetação na Antártica se desenvolve principalmente nas ilhas, na região costeira e na Península Antártica, mas também pode ser identificada no topo das cadeias de montanhas do interior do continente. O avanço da vegetação e do degelo tem intrigado pesquisadores, pois é mais um sinal de que as mudanças climáticas estão avançando rapidamente. As temperaturas mais elevadas fazem com que o gelo e a neve derretam mais rapidamente, deixando maior disponibilidade de água líquida já no início do verão. Com o solo exposto por mais tempo, a vegetação se expande para áreas onde antes não conseguia se estabelecer.
Acompanhar a dinâmica natural do continente antártico também se justifica por sua influência direta sobre o clima do hemisfério sul, atuando como um regulador térmico global e sendo o local de nascimento das frentes frias, que também influenciam a precipitação pluvial no sul do planeta Terra. Mapear áreas livres de gelo e cobertas por vegetação é crucial para o monitoramento dos impactos das mudanças do clima no ambiente antártico.
A partir do estudo, algumas similaridades nas vegetações da Antártica e do Brasil também foram observadas. “Os líquens, musgos e algas terrestres, são classificados como crostas biológicas dos solos, e são encontrados nos biomas brasileiros, em áreas de vegetação esparsas tais como nos solos dos biomas Pampa e Caatinga, mantendo a cobertura dos solos nas áreas onde os recursos ambientais são escassos. As gramíneas fazem parte das plantas pioneiras e são encontradas em todos os biomas brasileiros”, explica a pesquisadora.
Esta é a primeira versão do mapeamento e os cientistas esperam que as próximas coleções envolvam mais pesquisadores e grupos de pesquisa da Antártica, trazendo não só melhorias no mapeamento das áreas sem gelo e cobertas por vegetação, mas também agregando outras variáveis e contribuindo para o monitoramento e a compreensão das mudanças climáticas e ambientais no continente.

