No Fórum Criminal da Barra Funda, em São Paulo, a policial militar Aline Ferreira Inácio, única entre os 12 PMs acusados disposta a depor no caso do Massacre de Paraisópolis, defendeu a atuação da corporação na operação realizada no Baile da DZ7, em dezembro de 2019, alegando que a ação ocorreu em legítima defesa. Ela afirmou que nenhum dos policiais saiu com ferimentos graves da operação, na qual nove jovens morreram e várias pessoas ficaram feridas. Aline comandava o efetivo da Polícia Militar na intervenção e, junto com outros onze agentes, responde por homicídio no processo que ainda aguarda julgamento em júri popular.
A versão apresentada pela Polícia Militar sustenta que o tumulto e as mortes foram provocados durante uma perseguição a dois suspeitos em uma motocicleta que teriam atirado contra os policiais antes de se esconderem no baile. A corporação afirmou que a confusão no evento teria sido provocada por esses disparos e pela reação hostil da multidão, que teria lançado objetos contra os PMs, justificando o uso de força para dispersar os presentes. A policial negou que houvesse direcionamento intencional das vítimas para uma emboscada ou bloqueios que impedissem rotas de fuga, classificando essas versões como impossíveis pela falta de conhecimento detalhado da geografia local e frisando que, se houvesse essa intenção, o desastre poderia ter sido ainda maior.
Entretanto, familiares das vítimas, seus advogados e a Defensoria Pública de São Paulo contestam a narrativa policial. Eles apontam que os jovens foram deliberadamente cercados em uma viela estreita da comunidade, o que, associado ao uso de gás lacrimogêneo e imobilização física, resultou em sufocamento mecânico, adotado como causa das mortes por laudos periciais realizados pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). A hipótese inicial de pisoteamento, apresentada pela PM, foi descartada por essas evidências. Além disso, denunciam a ausência de socorro imediato às vítimas, uma crítica reforçada pela própria tenente Aline, que reconheceu que o treinamento em primeiros socorros entre os policiais é superficial e não contínuo, e que o atendimento às vítimas naquele cenário era inadequado.
O caso ocorreu em meio a uma onda repressiva aos bailes funk na cidade de São Paulo, durante o governo de João Doria, com cerca de 7,5 mil operações policiais apenas em 2019, uma política amplamente criticada por movimentos sociais por criminalizar a cultura do funk e as comunidades periféricas. Durante a audiência na Justiça, realizada enquanto manifestações em solidariedade às mães dos jovens mortos aconteciam em frente ao Fórum, a maioria dos demais policiais optou pelo direito ao silêncio para evitar contradições nos depoimentos.
O processo agora segue com as manifestações escritas da acusação e defesa, cabendo ao juiz decidir se o caso será levado a júri popular com base na denúncia de homicídio doloso, ou se poderá ser reclassificado. A defesa sustenta a tese de legítima defesa e ausência de dolo, enquanto a acusação argumenta que os PMs assumiram o risco de matar ao cercar e agredir os jovens, configurando dolo eventual.
Cinco anos após o episódio, apesar das indenizações pagas às famílias, o julgamento ainda não foi concluído e permanece como marco de um debate sobre violência policial, direitos humanos e justiça social nas periferias paulistanas.

