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Ministério repudia ação da PM por causa de desenho de orixá em escola

# Polícia Armada em Escola de São Paulo por Desenho de Orixá Causa Repercussão Nacional

Um episódio de violência institucional e racismo religioso ocorrido em uma escola municipal de educação infantil no bairro do Butantã, zona oeste de São Paulo, ganhou repercussão nacional e provocou reações de órgãos governamentais, parlamentares e entidades de defesa dos direitos humanos. O caso envolveu a entrada de policiais militares armados na Escola Municipal de Educação Infantil Antônio Bento após um pai acionar a polícia contra uma atividade pedagógica envolvendo orixás, divindades da religião iorubá.

O fato ocorreu no dia 12 de novembro, uma terça-feira à tarde, quando quatro policiais militares, portando armas, invadiram a unidade escolar localizada no Butantã. O acionamento da polícia foi motivado por um pai que alegava que sua filha estava sendo obrigada a participar de “aula de religião africana” porque havia feito um desenho de Iansã, orixá associado aos ventos e às tempestades. Testemunhas relataram que um dos policiais teria gritado várias vezes dentro da escola, e que pais e mães de estudantes presenciaram toda a cena. Os policiais permaneceram na unidade por mais de uma hora antes de deixarem o local acompanhados do pai da aluna por volta das 17h10.

Segundo relatos, no dia anterior, segunda-feira 11 de novembro, o mesmo pai já havia comparecido à escola demonstrando insatisfação com a atividade e teria se portado de maneira inadequada, rasgando do mural o desenho de Iansã que a filha havia confeccionado. A diretora da escola, Aline Aparecida Nogueira, informou que foi “coagida e interpelada pela equipe por aproximadamente 20 minutos”. Em nota oficial, a diretora esclareceu que a escola “não trabalha com doutrina religiosa” e que seu trabalho está “centrado a partir do currículo antirracista”.

O incidente gerou indignação na comunidade escolar. Representante da Rede Butantã, a jornalista Ana Aragão afirmou que a situação causou “muita indignação” e criticou a conduta do comandante de área da PM que compareceu ao local. Famílias com filhos na unidade escolar se dispuseram a prestar depoimento sobre o ocorrido. O caso também provocou reação do Sindicato dos Profissionais de Educação, que manifestou apoio aos responsáveis pela Emei Antônio Bento e afirmou que a entrada dos policiais “gerou constrangimento, intimidação e profundo abalo emocional na equipe escolar”. O sindicato ressaltou que a atividade desenvolvida tem respaldo pedagógico e repudiou qualquer violação à autonomia pedagógica e situações que coloquem em risco a segurança física e emocional de educadores e estudantes.

A deputada estadual Mônica Seixas, do PSOL-SP, classificou o episódio como racismo religioso e abuso de autoridade, argumentando que a escola cumpria seu papel ao trabalhar com currículo antirracista. A parlamentar pediu investigação imediata e responsabilização dos agentes envolvidos, reforçando que a presença de policiais armados em uma creche por conta de um desenho configura violação de direitos e intimidação. Em suas análises, Seixas destacou que “o que se vê no caso da EMEI Antônio Bento é uma ação incompatível com a legalidade, com a proporcionalidade e com a própria missão constitucional da Polícia Militar”, caracterizando-o como possível abuso de autoridade e grave ato de intolerância religiosa, já que a atividade escolar estava alinhada ao ensino obrigatório da história e cultura afro-brasileira, conforme determina a Lei 10.639/03.

O Ministério da Igualdade Racial manifestou repúdio oficial ao episódio em nota divulgada no dia 19 de novembro. O ministério afirmou que “repudia atos de racismo religioso e de violência institucional” ocorridos na escola e declarou que “a situação a qual os estudantes e profissionais de educação foram submetidos são inaceitáveis e demonstram, uma vez mais, o quão necessárias são as políticas de promoção da igualdade racial, respeito e dignidade”. A pasta enfatizou que a atividade de apresentação de orixás está em conformidade com as leis número 10.639, de 2003, e número 11.645, de 2008, que determinam o ensino da história e cultura africana, afro-brasileira e indígena nas escolas.

De acordo com o ministério, o conteúdo amplia as possibilidades pedagógicas para o reconhecimento, a valorização e o fortalecimento das identidades negras, quilombolas, indígenas e afro-brasileiras no ambiente educacional. “Esse conhecimento é essencial para a compreensão da nossa identidade brasileira, enquanto povo que se construiu a partir da cultura negra, afro-brasileira e indígena”, destacou a instituição em sua nota oficial. O ministério complementou afirmando que “seguiremos trabalhando para que nossas políticas possam alcançar todos os brasileiros e que não mais tenhamos episódios lamentáveis de flagrante desrespeito, racismo e intolerância às religiões de matriz africana e às nossas próprias origens”.

A Secretaria de Segurança Pública de São Paulo informou que instaurou apuração sobre a conduta da equipe que atendeu à ocorrência, incluindo análise das imagens das câmeras corporais dos policiais e do circuito interno da escola. A professora da unidade também registrou boletim de ocorrência contra o pai da estudante por ameaça.

A Ouvidoria da Polícia do Estado de São Paulo abriu procedimento solicitando à Corregedoria da Polícia Militar a apuração da conduta dos agentes. A ouvidoria declarou que “as indicações de racismo religioso são visíveis e devem ser apuradas com rigor e celeridade, para que, atestado o crime, seja justa e pedagógica sua sanção”. A instituição ainda informou estar “ultimando proposta que versa sobre as relações étnico-raciais para agentes da segurança pública que trabalham com a ronda escolar”. Como o pai da aluna é servidor de segurança pública do estado de São Paulo, um segundo procedimento foi aberto para apurar sua conduta.

Segundo a Ouvidoria, a partir dos depoimentos já registrados, incluindo o da diretora do estabelecimento de ensino, a atividade que foi realizada está em conformidade com a lei, que estabelece a obrigatoriedade do ensino da história e cultura africana, afro-brasileira e indígena no currículo de todas as escolas de ensino fundamental e médio, tanto públicas quanto privadas. A ouvidoria complementou sua posição afirmando que “é preciso apurar com rigor, responsabilizar e corrigir firmemente atos dessa natureza, sob pena de termos um crescimento ainda maior da intolerância, que é oposta ao conhecimento, não podendo coexistir com o princípio básico de qualquer religião ou sociedade civilizada que é o amor e a tolerância”.

O episódio ocorrido na Emei Antônio Bento representa um ponto crítico nas discussões sobre direitos constitucionais, liberdade de crença, educação e combate ao racismo religioso no Brasil. O caso evidencia tensões entre tentativas de censurar práticas educacionais alinhadas com políticas antirracistas e o direito à educação plural e democrática, reforçando questionamentos sobre como instituições de segurança pública devem atuar em ambientes escolares.

Fonte: Agência Brasil – Matéria Original (Clique para ler)
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