O calor extremo já é responsável por cerca de 1 em cada 100 mortes na América Latina, e essa cifra pode mais que dobrar nas próximas duas décadas, chegando a representar até 2,06% do total de óbitos entre 2045 e 2054. Essa previsão considera o ritmo atual de envelhecimento da população e cenários moderados de aquecimento global, com aumento estimado de temperatura entre 1ºC e 3ºC para este período. A análise foi realizada em 326 cidades de nove países latino-americanos — Argentina, Brasil, Chile, Costa Rica, El Salvador, Guatemala, México, Panamá e Peru — por uma rede de pesquisadores do projeto Mudanças Climáticas e Saúde Urbana na América Latina (Salurbal-Clima), que reúne cientistas destes países e dos Estados Unidos.
O estudo indica que o aumento da mortalidade relacionado ao calor extremo está diretamente associado ao crescimento da população idosa, que é mais vulnerável às altas temperaturas. Além disso, pessoas em condições socioeconômicas desfavoráveis, que vivem em áreas periféricas, moradias precárias e sem acesso a ar-condicionado ou áreas verdes, tendem a ser mais afetadas. Entre os principais riscos à saúde estão o agravamento de infartos, insuficiência cardíaca e outras complicações para quem possui doenças crônicas.
Segundo um dos autores da pesquisa, Nelson Gouveia, professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, as mortes são somente a ponta do iceberg dessa realidade. Ele ressalta que o calor extremo influencia não apenas a mortalidade, mas também a morbidade, aumentando o risco de diversas complicações de saúde. Para enfrentar esse desafio crescente, os pesquisadores recomendam a adoção urgente de políticas de adaptação climática focadas nas populações mais vulneráveis. Essas medidas incluem o desenvolvimento de planos de ação para ondas de calor intensas, adaptações urbanas para reduzir a exposição ao calor — como o incremento de áreas verdes e a criação de corredores de ventilação para minimizar as ilhas de calor —, além de sistemas de alerta precoce e educação comunitária para orientar a população sobre riscos e formas de proteção.
O estudo também destaca a importância de protocolos de saúde pública que priorizem o atendimento a idosos e pessoas com doenças crônicas durante períodos de calor intenso, como já ocorre em algumas cidades brasileiras, por exemplo, no Rio de Janeiro. Os dados analisados no Brasil foram extraídos do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), do DataSUS e do Censo Demográfico do IBGE, e seguem a mesma tendência observada em outros países da região.
Apesar do agravamento projetado, os pesquisadores afirmam que boa parte dessas mortes pode ser evitada com a implementação imediata de políticas robustas de mitigação das mudanças climáticas e de adaptação às novas condições ambientais. Isso implica, por exemplo, a redução das emissões de gases de efeito estufa e investimentos em infraestrutura urbana sustentável, capaz de proteger a saúde pública.
O projeto Salurbal-Clima, sob o qual essa análise foi conduzida, tem duração prevista até 2028 e objetiva aprofundar o entendimento dos impactos das mudanças climáticas na saúde das populações urbanas da América Latina. O estudo completo está publicado na revista Environment International, detalhando as projeções e os métodos usados para antecipar os efeitos do clima no bem-estar da população regional.
