O Museu do Ipiranga, patrimônio cultural e histórico de São Paulo, celebra seus 130 anos em 2025 com um olhar renovado sobre si mesmo e sobre a memória nacional. Além das tradicionais salas que abrigam quadros e objetos ligados à Independência do Brasil, o museu lançou recentemente o podcast Pensar o presente – histórias de um museu em transformação, produzido pelo Estúdio Novelo. São cinco episódios que partem de itens do acervo para refletir sobre a construção da memória nacional, o papel do museu ao longo do tempo e as mudanças sociais, em linha com a ideia de que a narrativa histórica do país é plural e deve contemplar a diversidade de vozes, e não só a dos grupos hegemônicos.
A iniciativa marca uma mudança significativa. Antes restrito a coleções vinculadas às elites paulistas, o Museu do Ipiranga expandiu sua curadoria para acolher histórias de outros segmentos sociais, especialmente mulheres, população negra, indígenas e classes médias. Segundo Paulo César Garcez Marins, diretor do museu, essa transformação não se limita à aquisição de novos acervos, mas passa por reinterpretar os objetos já existentes, contextualizando-os para além de sua origem e valor monetário. “Procuramos entender os processos que fizeram com que esses objetos existissem, como chegaram às coleções e qual foi sua função numa cadeia social ampla, que envolve produção, circulação, aquisição e descarte”, explicou.
Um exemplo prático dessa nova abordagem são coleções recentes que, até poucas décadas atrás, dificilmente seriam aceitas num museu de história nacional. O episódio Doces Memórias traz à tona uma coleção de mais de 5 mil rótulos populares – de balas, chicletes, remédios, cigarros e bebidas –, itens do cotidiano quase sempre descartados, mas que hoje são considerados documentos relevantes da memória coletiva. Outro destaque é o episódio Álbum de Família, dedicado à Coleção Militão Augusto de Azevedo, que reúne 12 mil fotografias de pessoas comuns de diferentes origens sociais e étnicas, registradas entre 1861 e 1890. Esse acervo, incorporado ao museu a partir dos anos 1990, rompeu a barreira dos retratos a óleo – caros, exclusivos e ligados à elite –, abrindo espaço para a fotografia e, com ela, para novas histórias.
Ainda nesse espírito, o museu acolheu o arquivo de Nery Rezende, uma mulher negra de classe média que criou um acervo sobre a própria vida, algo raro nas coleções tradicionais. “Ela não apenas deixou documentos textuais, mas uma coleção fotográfica extraordinária da sua vida, da família, da sua atuação profissional”, destaca Marins. O episódio Presença na Ausência discute, por outro lado, a invisibilidade histórica de populações indígenas e afrodescendentes, um reconhecimento das lacunas que ainda precisam ser superadas. Já Saber Fazer parte dos tijolos originais do edifício, analisados a partir das marcas das olarias que os produziram, para falar do valor simbólico do trabalho manual.
Essa abertura a temas e acervos variados é fruto também do diálogo estreito com a sociedade. Marins ressalta que cerca de 80% das coleções do museu foram doadas por cidadãos, o que considera “estimulante e democrático”. Nas últimas décadas, a instituição deixou de ser o “museu da história do Brasil” para se tornar o “museu das histórias do Brasil”, abraçando o desafio de responder às perguntas do presente a partir do passado. A ideia central – reforçada no podcast e nas demais ações comemorativas – é que o museu, antes local de celebração e acervo de bens materiais, agora seja, sobretudo, espaço de debate, de pluralidade e de revisão crítica permanente.
O podcast, assim como a minissérie lançada paralelamente, é apresentado por profissionais de comunicação e historiadores, e conta ainda com convidados como Marcelo Tas e Preta Rara, reforçando o compromisso do Museu do Ipiranga com diferentes perspectivas. Disponível em plataformas como Spotify, Apple Podcasts, Amazon Music, Deezer e YouTube, a produção quer ampliar o alcance das novas narrativas, aproximando o museu de públicos cada vez mais diversos.
Com uma identidade visual renovada após a reabertura em 2022 – que dobrou a área construída e triplicou o espaço expositivo –, o Museu do Ipiranga se consolida, aos 130 anos, não apenas como monumento à independência, mas como espaço vivo, dinâmico e contemporâneo, capaz de acolher e provocar reflexões sobre as múltiplas histórias que compõem o país. “Os episódios vão permitir que a população possa se aproximar dessas linhas de reflexão que nós fazemos, mostrando o frescor de uma instituição que tem 130 anos de abertura ao público, mas que se mantém muito contemporânea”, resume Marins.
Por meio dessas iniciativas, o Museu do Ipiranga convida o público a revisitar o passado, mas com olhos atentos ao presente e às desigualdades que ainda precisam ser superadas. O que está em jogo é uma nova forma de pensar e contar a história do Brasil, menos oficialista e mais plural, um projeto em constante construção, cujas páginas continuam abertas e prontas para novos capítulos, inclusive aqueles ainda não escritos.

