O Vaticano na mira da extrema-direita

A morte do papa Francisco, ocorrida em 21 de abril, abriu uma disputa sem precedentes pelo comando da Igreja Católica. Nos bastidores do Vaticano, cresce a movimentação de grupos ultraconservadores, especialmente ligados à extrema-direita dos Estados Unidos e da Europa, que veem no próximo conclave uma chance histórica de reverter o legado progressista deixado pelo pontífice argentino e reposicionar a Igreja em sintonia com agendas reacionárias.
Conspiração internacional e lobby milionário?
A ofensiva da extrema-direita não é recente. Segundo o jornalista britânico Gareth Gore, há anos uma rede de cardeais, bispos, empresários bilionários e organizações ultraconservadoras católicas nos EUA se articula para influenciar a sucessão papal. Entre os protagonistas estão nomes como Leonard Leo, estrategista do Judiciário americano, e Tim Busch, empresário do setor imobiliário e fundador do influente Napa Institute, que reúne figuras do catolicismo tradicionalista e aliados do ex-presidente Donald Trump.
Esses grupos investem pesado em campanhas de desinformação, contratação de ex-agentes de inteligência para buscar informações comprometedoras (“kompromat”) sobre cardeais progressistas e manipulação de informações em redes sociais e plataformas como a Wikipédia, numa tentativa de minar a reputação de possíveis sucessores alinhados ao legado de Francisco.
O papel dos EUA
Desde o início de seu pontificado, Francisco enfrentou forte resistência de setores conservadores, principalmente na Igreja norte-americana. Suas posições em defesa dos migrantes, críticas ao capitalismo predatório e abertura ao diálogo com minorias sexuais desagradaram profundamente a ala ultraconservadora, que passou a financiar e impulsionar campanhas públicas de oposição ao Papa, inclusive por meio de meios de comunicação como a rede EWTN e organizações como o Napa Institute.
Cardeais como Raymond Leo Burke (EUA) e Gerhard Müller (Alemanha) tornaram-se símbolos dessa resistência, defendendo uma agenda anti-imigrante, anti-LGBTQIA+ e contrária a reformas sociais. Burke, por exemplo, chegou a desafiar publicamente Francisco, recusando-se a dar comunhão a divorciados e se associando a projetos de formação de líderes nacionalistas religiosos.
O conclave será um campo de batalha geopolítico
O conclave que escolherá o novo papa será, segundo analistas, um divisor de águas para a Igreja. Embora cerca de 80% dos cardeais eleitores tenham sido nomeados por Francisco, a força do lobby conservador e o apoio de setores da extrema-direita global — incluindo líderes como Donald Trump, Giorgia Meloni e Viktor Orbán — tornam a disputa imprevisível.
Além da pressão política, há preocupação com o uso de fake news e campanhas de difamação para influenciar a opinião pública e os próprios cardeais. O Vaticano, ciente do risco, tenta blindar o processo eleitoral contra interferências externas e notícias falsas.
O legado de Francisco em jogo
Francisco foi o primeiro papa latino-americano em mais de mil anos e consolidou seu pontificado como uma resistência à onda conservadora mundial, promovendo uma Igreja mais inclusiva e socialmente engajada. Sua morte reacende o embate entre uma visão progressista, aberta ao diálogo com o Sul Global, e uma agenda ultraconservadora que busca restaurar o poder tradicionalista no Vaticano.
O desfecho do conclave, previsto para as próximas semanas, será decisivo não apenas para o futuro da Igreja Católica, mas também para o equilíbrio de forças políticas e culturais em escala global. A batalha pelo trono de Pedro, desta vez, transcende os muros do Vaticano e reflete as tensões do nosso tempo.