Duas pesquisas recentes divulgadas em outubro de 2025 revelam a crescente preocupação com os efeitos dos extremos climáticos nas crianças brasileiras, especialmente as de zero a seis anos. Um levantamento encomendado pela Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal ao Datafolha apontou que mais de 80% dos brasileiros receiam os impactos das mudanças climáticas sobre bebês e crianças pequenas. A pesquisa entrevistou 2.206 pessoas, entre elas 822 responsáveis por crianças, mostrando que os principais medos estão relacionados à saúde, com 71% dos entrevistados destacando particularmente o aumento de doenças respiratórias. Além disso, 39% manifestaram preocupação com os riscos de desastres naturais, como enchentes, secas e queimadas, e 32% temem dificuldades no acesso à água potável e alimentos.
O estudo ainda indica que apenas uma parcela pequena da população — 15% — acredita que as mudanças climáticas podem despertar uma maior consciência ambiental, e apenas 6% confiam que a sociedade encontrará soluções eficazes para reduzir esses danos. Mariana Luz, diretora da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, ressaltou que as crianças na primeira infância são as mais vulneráveis e injustamente afetadas pela crise climática, apesar de serem as que menos contribuem para sua causa, reforçando a urgência de medidas específicas para protegê-las.
Complementando essa percepção social, uma pesquisa científica conduzida por um consórcio que inclui o Centro de Integração de Dados e Conhecimentos para Saúde (Cidacs/Fiocruz Bahia), o Instituto de Saúde Coletiva da UFBA, a London School e o Instituto de Saúde Global de Barcelona, analisou mais de 1 milhão de mortes de crianças menores de cinco anos no Brasil ao longo de 20 anos. Publicado no periódico Environmental Research, o estudo revelou que temperaturas extremas elevam significativamente o risco de mortalidade infantil. Bebês no período neonatal (7 a 27 dias) têm 364% mais probabilidade de morrer durante dias de frio intenso comparado a dias com temperatura amena. Já para a exposição ao calor extremo, o risco aumenta progressivamente com a idade, sendo 85% maior para crianças entre 1 e 4 anos.
No geral, a mortalidade infantil relacionada a extremos de temperatura foi 95% maior nos dias muito frios e 29% maior nos dias muito quentes em comparação a condições térmicas consideradas normais, situadas entre 14 e 21°C. O professor Ismael Silveira, líder do estudo e pesquisador da UFBA, destaca que o Brasil, por sua grande extensão territorial e desigualdades socioeconômicas, serve como um “laboratório natural” para investigar como o clima impacta a saúde infantil, com dados robustos que fortalecem a análise.
As crianças são especialmente vulneráveis porque seus sistemas de regulação térmica ainda não estão totalmente desenvolvidos. Os extremos de calor podem causar insolação, desidratação, problemas renais, além de aumentar a incidência de doenças respiratórias e infecciosas. O frio intenso, por sua vez, pode provocar hipotermia, complicações respiratórias e metabólicas, favorecendo infecções. O impacto climático varia regionalmente: no Sul do Brasil, o aumento da mortalidade associado ao frio extremo chega a 117%, enquanto no Nordeste, a mortalidade por calor extremo cresce 102%. As regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste concentram as maiores taxas de mortes infantis, reflexo da maior vulnerabilidade socioeconômica e menor acesso a infraestrutura básica, como saneamento e moradia adequada.
Esses dados revelam não apenas o grave desafio que as mudanças climáticas representam para a saúde e a sobrevivência das crianças brasileiras, mas também a necessidade urgente de políticas públicas que priorizem a proteção dos mais vulneráveis, especialmente na primeira infância, com foco em mitigação dos efeitos climáticos e na redução das desigualdades que agravam a exposição e os impactos desses eventos extremos.

