A estimativa do número de mortos em Gaza é um desafio constante, e muitos especialistas temem que a cifra real seja significativamente maior do que os números divulgados. De acordo com uma carta publicada na revista médica The Lancet, cientistas sugerem que o número total de mortos pode eventualmente chegar a cerca de 186.000, um número alarmante considerando os 2,4 milhões de habitantes de Gaza.
Nos últimos nove meses, a campanha militar israelense em Gaza resultou em cerca de 38.000 mortes, segundo o ministério da saúde local. Contudo, esses números não refletem a totalidade das perdas, já que há dificuldades crescentes em manter registros precisos à medida que a violência continua. Estima-se que outras 10.000 pessoas estejam enterradas sob os escombros e não tenham sido contabilizadas.
A guerra não mata apenas diretamente; os efeitos indiretos são devastadores e frequentemente subestimados. Desnutrição, falta de medicamentos e condições insalubres resultantes da destruição da infraestrutura de saúde são fatores que aumentam significativamente o número de vítimas. Esses efeitos secundários são tão letais quanto a violência direta.
Em Timor-Leste, por exemplo, a ocupação indonésia resultou em 19.000 mortes diretas, mas 84.000 mortes adicionais ocorreram devido à fome e deslocamento forçado – uma proporção de quatro mortes indiretas para cada morte direta. Aplicando essa proporção a Gaza, Yusuf, diretor do Population Health Research Institute da McMaster University, inicialmente estimou quatro mortes indiretas para cada morte direta. Agora, ele teme que essa proporção possa ser ainda maior.
A destruição da infraestrutura de saúde em Gaza exacerba o problema. Mesmo antes da recente escalada militar, o sistema de saúde já estava em crise devido a um bloqueio de mais de 15 anos, resultando em escassez constante de medicamentos e equipamentos médicos. Apenas 17 dos 36 hospitais de Gaza estão parcialmente operacionais, e muitos foram completamente destruídos.
Além dos ferimentos diretos de guerra, a falta de acesso a alimentos e água potável agrava a situação. Durante a guerra no Sudão do Sul, a falta de suprimentos alimentares levou a uma proporção de mortes indiretas para diretas de cerca de nove para um. Em Gaza, a destruição de fazendas e a interrupção de suprimentos humanitários contribuem para a insegurança alimentar, com mais de 90% da população enfrentando níveis de fome em crise.
O deslocamento forçado também aumenta as mortes indiretas. Em campos superlotados e insalubres, doenças infecciosas se espalham rapidamente. Em Serra Leoa, a guerra deslocou metade da população, resultando em uma proporção de mortes indiretas para diretas de 16 para um. Em Gaza, quase 80% da população foi deslocada, e os campos de refugiados estão superlotados, facilitando a propagação de doenças.
Os pesquisadores temem que a guerra em Gaza possa ter a maior taxa de mortes indiretas de qualquer conflito na história recente. As estimativas publicadas na Lancet são “conservadoras”, e a verdadeira extensão da devastação pode ser ainda maior. A recuperação e a reconstrução serão extremamente desafiadoras para os sobreviventes.
Assim como as medidas de contenção foram essenciais para controlar a pandemia de Covid-19, intervenções eficazes são necessárias para mitigar as consequências em Gaza. O governo israelense pode tomar medidas para limitar as baixas, protegendo a infraestrutura crucial, suspendendo restrições à ajuda e parando a ofensiva militar. Sem essas ações, o número de mortos continuará a aumentar, e a alegação de genocídio no Tribunal Internacional de Justiça pode ganhar ainda mais força.
A verdadeira magnitude da tragédia em Gaza ainda pode levar anos para ser compreendida completamente, mas o impacto devastador da violência direta e indireta já é claro. Para que haja responsabilidade e uma eventual recuperação, é essencial que o custo humano total seja reconhecido e contabilizado.
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