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Preconceito dificulta rastreio e tratamento de câncer em pessoas trans

# Câncer, Identidade e Resiliência: A Jornada de Erick Venceslau

Pouco mais de um ano atrás, o analista de mídias sociais Erick Venceslau, de 29 anos, natural de Alagoas, recebeu uma notícia que ninguém gostaria: um nódulo que havia identificado no seio era, de fato, câncer de um dos tipos mais agressivos. Apesar de todo o choque e medo que acompanharam o diagnóstico, esse momento traumático acabou se transformando em um ponto de inflexão em sua vida, impulsionando-o a assumir sua verdadeira identidade como homem trans.

A descoberta do câncer coincidiu com um período de profunda reflexão pessoal. Erick conta que havia questionado sua identidade de gênero durante toda a vida, mas havia sufocado esses questionamentos por falta de estabilidade financeira e pelo medo da transfobia que poderia sofrer, especialmente de sua família. “Eu entendi que eu estava muito adoecido tentando sufocar isso em mim”, relembra.

A mudança veio quando Erick se deslocou para outro estado e retomou a psicoterapia justamente no período em que iniciava o tratamento contra o câncer. Foi nesse contexto que as peças começaram a se encaixar. “Nesse processo, eu fui conseguindo colocar para fora”, afirma, referindo-se ao momento em que finalmente pôde expressar e reconhecer sua verdadeira identidade.

O tumor de Erick era agressivo desde o início. Quando procurou ajuda médica, o nódulo já media três centímetros. Pouco tempo depois, ao iniciar o tratamento, havia duplicado de tamanho. Erick admite que não tinha o costume de procurar os serviços de saúde de forma preventiva, o que poderia ter permitido um diagnóstico mais precoce. Porém, uma das grandes razões para essa negligência era o receio que sentia em relação ao tratamento que receberia nos espaços de saúde.

“O sistema não está preparado para a gente, da comunidade LGBTQIA+. A gente é excluído desses espaços, porque não existe um letramento dos profissionais e porque a gente vive nessa sociedade e sabe o que a gente passa”, critica ele com franqueza. Essa desconexão entre as pessoas trans e os serviços de saúde é sistêmica e tem consequências concretas. “Isso me afastava da saúde, assim como sempre afastou outras pessoas, amigos. Eu já fui para consultas ginecológicas e sofri violências por eles não saberem lidar com a mulher cis lésbica, imagina com uma pessoa trans”, complementa.

Apesar desses desafios estruturais, Erick iniciou um tratamento abrangente que incluiu mastectomia dupla, quimioterapia e, atualmente, imunoterapia. Durante esse processo, também começou sua transição de gênero. O momento em que se viu no espelho após a mastectomia foi revelador: “Eu fiz a mastectomia, me olhei no espelho e falei: ‘Caraca, não era só um problema com os meus peitos’. Ia muito mais além e eu estava tentando negar. A partir dali, eu não vi mais tristeza em me olhar no espelho, eu vi um recomeço”.

Erick considera-se sortudo por receber acolhimento dos profissionais que o acompanham no tratamento do câncer. Ainda assim, reconhece que enfrentou episódios de transfobia durante sua jornada médica. “Não sofri nenhum episódio transfóbico muito grave. Mas houve algumas transfobias, sim”, relata. “Acho que é uma questão mais de adaptação do que intencional, mas não é porque não houve intenção que não aconteceu”.

Um dos maiores desafios que Erick enfrenta agora é a incerteza sobre a possibilidade de realizar hormonioterapia após o término do tratamento oncológico, um assunto que ainda está em discussão com seus médicos. Essa dificuldade o frustra profundamente, especialmente porque revela lacunas importantes no conhecimento médico. “Eu vejo que os oncologistas estão aprendendo junto comigo. A gente vai caminhando, mas eu fico muito chocado em ser o ‘primeiro’ em muitas coisas, porque eu não sou o primeiro homem trans a ter câncer de mama. E não existir estudos sobre o nosso corpo é violento”, desabafa.

A história de Erick ilumina uma realidade frequentemente invisibilizada: a interseccionalidade entre identidade de gênero e acesso à saúde. Seu testemunho não apenas documenta um caso individual de resiliência diante do câncer, mas também aponta para falhas sistêmicas no atendimento médico a pessoas transgênero. Enquanto Erick continua sua luta contra a doença e pela sua dignidade, sua narrativa se torna um chamado urgente para que profissionais de saúde se capacitem e que o sistema de saúde se torne verdadeiramente inclusivo para todos.

Fonte: Agência Brasil – Matéria Original (Clique para ler)
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