Em comunidades cariocas marcadas pela vulnerabilidade social, um projeto transformador vem ressignificando trajetórias de crianças e jovens por meio da música. Há três décadas, a Ação Social pela Música do Brasil (ASMB) oferece aulas gratuitas de instrumentos clássicos – violino, contrabaixo, saxofone, entre outros – para estudantes de 6 a 18 anos, com o objetivo não só de ensinar música, mas de formar cidadãos e abrir portas para um futuro de novas possibilidades. Com atuação em pontos estratégicos como Cidade de Deus, Complexo do Alemão, Vila Isabel, Rocinha, Rio das Pedras, além de São Gonçalo e Petrópolis, a iniciativa se consolidou como referência em inclusão social através da cultura.
A rotina dos alunos vai além do estudo de partituras e técnicas musicais. O projeto incorpora reforço escolar para crianças do ensino fundamental e, desde 2023, integra lições de letramento racial, discutindo temas como desigualdade, raça, gênero e assédio. Essas oficinas transversais buscam ampliar o senso crítico e promover cidadania ativa entre os participantes, a maioria deles negros. Coordenadores e educadores relatam que, para muitos jovens, esse é o primeiro contato com debates sobre identidade e direitos, trazendo reflexões que transcendem a sala de aula.
Gutemberg Mendes, coordenador do polo no Complexo do Alemão, destaca o caráter protetivo e educativo do projeto. Ao ocupar o tempo dos estudantes, a música ajuda a afastá-los dos riscos das ruas e lhes apresenta horizontes mais amplos. “Além de formar músicos, a gente forma cidadãos melhores”, afirma Mendes, sublinhando como a disciplina e a prática exigidas pela música clássica são ferramentas de transformação personal e coletiva.
Ana Julia Mattos, de 14 anos, é um exemplo concreto desse impacto. Há cinco anos na ASMB, ela narra como o projeto trouxe responsabilidade e influenciou positivamente seu desempenho escolar. “Mudou muito a minha vida, de verdade”, conta. “Eu não conhecia sobre o projeto, não conhecia sobre a música, e essa oportunidade me trouxe conhecimento”. Histórias como a de Ana Julia se multiplicam nos polos do projeto, onde muitos jovens permanecem por anos, tornando-se monitores ou ingressando em grupos orquestrais que já se apresentaram no Brasil e no exterior.
A proposta da ASMB ultrapassa os limites da educação musical. Ao promover visitas a museus, oficinas de reciclagem e atividades que estimulam o convívio social, o projeto se coloca como espaço de escuta, diálogo e construção de identidade. Para Fiorella Solares, criadora e diretora da organização, ensinar música clássica é uma forma de moldar cidadãos conscientes de suas potencialidades e capazes de transformar suas comunidades.
Atualmente, o programa atende cerca de 4.400 alunos em 13 núcleos e 18 polos espalhados pelo país, incluindo cidades como João Pessoa, Petrópolis, Ji-Paraná e Campo Grande. A maturidade da iniciativa se reflete na criação de conjuntos musicais como a Orquestra Sinfônica Jovem do Rio de Janeiro e a Camerata Jovem, grupos que já se apresentaram internacionalmente. Para participar, basta apresentar documentos pessoais e comprovante de residência, além de matrícula escolar para menores de idade.
Em uma cidade onde o acesso à cultura permanece restrito para boa parte da população, a Ação Social pela Música do Brasil se destaca como um projeto não só de formação artística, mas de emancipação e esperança. Ao longo de três décadas, milhares de jovens encontraram na música clássica um caminho para sonhar mais alto, aprender mais e, acima de tudo, acreditar que um futuro diferente é possível.

