Projetos de lei no Senado tentam barrar o avanço das bets. Entenda

O impacto devastador das apostas online na vida da população brasileira

As apostas online, amplamente promovidas e acessíveis, têm causado estragos significativos na vida de milhares de brasileiros. Embora muitas dessas plataformas ainda operem fora das normas estabelecidas, o governo já expressou preocupação com os danos sociais que elas vêm provocando, especialmente entre os grupos mais vulneráveis da sociedade.

Casos de superendividamento, destruição de lares e até suicídios ligados ao vício em apostas têm se tornado cada vez mais comuns. A facilidade com que pessoas podem perder tudo em questão de minutos é alarmante. Famílias inteiras têm sido desestruturadas, bens são vendidos para cobrir dívidas e o ciclo vicioso das apostas acaba com a estabilidade financeira e emocional de muitos brasileiros. O fim de casamentos e relações familiares tem sido uma consequência devastadora desse cenário, onde a compulsão pelo jogo destrói não só a vida dos jogadores, mas de todos ao seu redor.

Um dado alarmante veio à tona recentemente: um estudo do Banco Central divulgado na última semana revelou que em agosto de 2024, R$ 3 bilhões do Bolsa Família foram direcionados para plataformas de apostas online. Isso destaca a gravidade do problema e a vulnerabilidade de populações que deveriam estar recebendo assistência, mas que acabam sendo atraídas para o vício, muitas vezes movidas pelo sonho de uma saída rápida para a pobreza.

Diante desse cenário alarmante, o governo federal tem intensificado suas ações. Nos últimos dias, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, classificou como urgente a necessidade de combater o assédio publicitário das apostas online nos meios de comunicação. É uma tentativa de frear o crescente impacto das propagandas, muitas delas direcionadas a jovens e a pessoas em situação de vulnerabilidade.

No Senado, projetos de lei foram apresentados para impor limites às propagandas de apostas, além de propor restrições para que grupos vulneráveis, como os beneficiários de programas sociais, tenham menos acesso a essas plataformas. A ideia é impedir que aqueles que já enfrentam dificuldades financeiras sejam atraídos para uma armadilha que pode levá-los ao colapso total.

Também há a possibilidade de restringir os pagamentos por cartão de crédito, para evitar que as apostas causem endividamento, e de bloquear esse tipo de jogo com o cartão do Bolsa Família. A pressão para que providências fossem tomadas cresceu depois da divulgação, pelo Banco Central, dos valores gastos por beneficiários do programa em apostas. Nota técnica elaborada pela instituição divulgada na última semanamostrou que os beneficiários do Bolsa Família gastaram R$ 3 bilhões em apostas via Pix em agosto.

O senador Omar Aziz (PSD-AM) informou ter pedido ao presidente do BC, Roberto Campos Neto, no início de setembro, essas informações sobre as movimentações por Pix feitas para as bets. Para ele, esse dinheiro gasto com jogo significa quase uma doação para as empresas, já que não há retorno relevante para os apostadores. O senador também informou ter acionado a Procuradoria-Geral da República (PGR) para pedir uma Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) com objetivo de suspender o funcionamento dessas empresas até que haja uma regulamentação mais rígida.

DataSenado

Pesquisa do Instituto DataSenado divulgada nesta terça-feira (1°) projeta que 13% dos brasileiros com 16 anos ou mais — o equivalente a 22,13 milhões de pessoas — participaram de apostas nos últimos 30 dias. De acordo com o Panorama Político 2024: apostas esportivas, golpes digitais e endividamento a maior parte dos apostadores (52%) recebe até dois salários-mínimos por mês. A fatia que ganha entre dois e seis mínimos é de 35%, enquanto 13%  dos entrevistados afirmaram receber uma remuneração superior.

Para tentar conter o efeito dessas apostas sobre a população mais vulnerável, o senador Alessandro Vieira (MDB-SE) apresentou um projeto de lei que busca limitar e em alguns casos proibir as apostas feitas por idosos, pessoas inscritas em dívida ativa ou cadastro de proteção de crédito e pessoas inscritas no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal (CadÚnico). O texto ainda será distribuído às comissões.

O PL 3.718/2024 inclui essa limitação na Lei 14.790,de 2023, também chamada de Lei das Bets. Para o senador, a medida é necessária para proteger os grupos em situação de vulnerabilidade, que estão entre os mais prejudicados por esse tipo de jogo. “A ilusão de que os jogos de azar são uma forma de investimento leva muitos a negligenciar os riscos envolvidos. Enquanto investir envolve a alocação de recursos em ativos com o objetivo de gerar retorno a longo prazo, as apostas são baseadas em eventos aleatórios e oferecem a promessa de ganhos rápidos, mas incertos”, argumentou.

De acordo com o projeto, a lei passaria a limitar as apostas para esses grupos. O texto também apresenta opções para a implementação dessa limitação (a escolha ficaria a cargo do Executivo): limite de perdas em absoluto ou em percentual do valor transferido à plataforma [de aposta]; limite de transferências mensais; limite de valor mensal transferido em percentual da renda declarada; proibição total de transações.

Publicidade

Outros projetos em análise na Casa buscam restringir a publicidade das empresas de apostas. Apresentado pelo senador Randolfe Rodrigues (PT-AP), o PL 3.563/2024 tem o objetivo de frear o alcance dessas propagandas, a fim de diminuir danos à saúde mental e ao patrimônio causados pelo vício em bets e jogos on-line. O texto está sendo analisados pela Comissão de Comunicação e Direito Digital (CCDD), onde aguarda a designação de um relator.

O projeto proíbe a exploração comercial de apostas em eleições e veda qualquer forma de publicidade sobre apostas em mídias como rádio, televisão, internet e redes sociais. Também está prevista a proibição da pré-instalação de aplicativos de apostas em dispositivos eletrônicos. 

— As bets se tornaram uma questão primeiro de saúde pública e segundo de ato lesivo à economia popular. É urgente apreciação, por parte do Senado, dos diferentes projetos de lei que tem sobre o tema — disse Randolfe, líder do governo no Congresso.

Já o PL 3.405/2023, apresentado pelo senador Eduardo Girão (Novo-CE), pronto para a pauta na Comissão de Esporte (CEsp), proíbe a participação de celebridades na publicidade de apostas em eventos esportivos. Para Girão, a proibição é uma maneira de tentar proteger o cidadão comum de possíveis danos emocionais ou financeiros que podem decorrer da prática reiterada das atividades de apostas. De acordo com o projeto, equipes esportivas, atletas, ex-atletas, apresentadores, comentaristas, celebridades e influenciadores ficam proibidos de participar da publicidade de apostas. O texto tem como relator o senador Sérgio Petecão (PSD-AC).

Em pronunciamento na semana passada, o senador lembrou ter tentado barrar a regulamentação das apostas esportivas e disse que o Senado tem a chance de reparar o erro que cometeu. Ele pediu apoio dos colegas pela rejeição do projeto de lei (PL 2.234/2022) que autoriza a instalação de bingos e cassinos no Brasil.

— Eu acredito que, para os senadores da República, é uma oportunidade de reconhecer o erro e reparar essa tragédia que está acontecendo, que está dizimando empregos, está dizimando casamentos, famílias inteiras e levando as pessoas até o suicídio aos montes, a um endividamento em massa jamais visto neste país — lamentou o senador.

Com informações da Agência Senado e edição do Portal NegoPB