### Sífilis em Ritmo Acelerado no Brasil: Alerta para Gestantes e Transmissão Vertical
Dados do Ministério da Saúde, divulgados em outubro deste ano, revelam que a sífilis mantém um crescimento acelerado no Brasil, seguindo uma tendência observada em todo o mundo. A preocupação é ainda maior entre gestantes: entre 2005 e junho de 2025, o país registrou 810.246 casos nessa população, com a maior concentração na Região Sudeste (45,7%), seguida pelo Nordeste (21,1%), Sul (14,4%), Norte (10,2%) e Centro-Oeste (8,6%). A taxa nacional de detecção atingiu 35,4 casos por mil nascidos vivos em 2024, sinalizando o avanço da transmissão vertical, pela qual a infecção passa da mãe para o bebê.
A ginecologista Helaine Maria Besteti Pires Mayer Milanez, membro da Comissão Nacional Especializada em Doenças Infectocontagiosas da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo), destaca que o combate à sífilis congênita é uma batalha travada desde a década de 1980. “Na realidade, sempre tivemos problema com a questão da sífilis no Brasil. Ainda não conseguimos encarar a redução dessas cifras há muitos anos”, afirmou ela à Agência Brasil. Apesar de ser uma doença fácil de diagnosticar, rastrear e tratar de forma barata – ao contrário do HIV, por exemplo –, o país ainda não logrou êxito em reduzir significativamente os casos entre mulheres jovens e fetos recém-nascidos. “Então, temos um problema sério no Brasil, tanto com relação à população adulta jovem e, consequentemente, na população em idade reprodutiva, e daí o aumento na transmissão vertical.”
Um dos principais entraves é o subdiagnóstico na área da saúde. O exame VDRL, teste não treponêmico mais utilizado no Brasil, identifica a infecção pelo sangue e monitora a resposta ao tratamento, embora não seja específico do treponema – bactéria causadora da doença. Há também o teste treponêmico, que permanece positivo para sempre. Na prática, profissionais frequentemente erram ao ver o treponêmico positivo e o não treponêmico negativo, interpretando como “cicatriz” antiga e dispensando tratamento. “Esse é o grande erro. A maioria das grávidas estará com um teste não treponêmico ou positivo ou com título baixo. Aí, ela mantém o ciclo de infecção que infecta o parceiro sexual e seu feto dentro do útero”, explica a especialista. Outro erro comum é a falha no tratamento dos parceiros sexuais: “Muitas vezes, os parceiros ou são inadequadamente tratados ou não tratados, e aí as bactérias continuam circulando na gestante e no parceiro que não foi tratado e ele reinfecta a mulher grávida e, novamente, ela tem risco de infectar a criança.”
A Febrasgo atua com cursos de prevenção e tratamento de infecções sexualmente transmissíveis (ISTs) para profissionais de saúde e materiais técnicos para orientar o atendimento adequado. Helaine integra o grupo de transmissão vertical do Ministério da Saúde, que mantém protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas disponíveis online para sífilis, HIV e hepatites virais. “A gente fala que não é falta de informação. Mas precisa aplicar e estudar para ter o conhecimento adequado. Hoje a ocorrência de sífilis congênita é um dos melhores marcadores da atenção pré-natal.”
Os grupos mais afetados incluem jovens de 15 a 25 anos e idosos. Entre os jovens, há menos medo das ISTs, com abandono de métodos de barreira como preservativos, especialmente porque o HIV se tornou uma doença crônica tratável. Na terceira idade, a vida sexual ativa aumentou com medicamentos como o Viagra, e a ausência de risco de gravidez reduz o uso de proteção. Mais de 80% das gestantes infectadas não apresentam sintomas, na forma latente assintomática. Nos homens, a prevalência assintomática também é alta: a úlcera inicial (cancro) surge no pênis ou boca e desaparece sem tratamento, mantendo o risco de transmissão. Nas mulheres, a lesão fica oculta no fundo da vagina ou colo do útero.
O diagnóstico precoce é desafiador na fase inicial, quando exames de sangue podem ser negativos; o ideal é raspar a lesão para buscar o treponema, com sorologia positivando em duas ou três semanas. Sem tratamento, a doença progride para a fase secundária, com manchas na pele (exantema difuso, inclusive em palmas e plantas dos pés), alopecia em “caminho de rato” e condiloma plano genital. “A fase secundária apresenta grande quantidade de treponemas circulantes. Em gestantes, a chance de acometimento fetal chega a 100% quando a gestante apresenta a sífilis recente, o que torna o diagnóstico e o tratamento ainda mais urgentes.”
Com o Carnaval se aproximando, Helaine alerta para o risco de contágio em festas, onde práticas sem proteção são comuns. “O abandono dos métodos de barreira tem feito crescer, infelizmente, as infecções sexualmente transmissíveis.” Para o HIV, há a PrEP (profilaxia pré-exposição), medicamento antirretroviral tomado 24 horas antes de relações de risco, reduzindo em mais de 90% a chance de infecção via comprimidos diários ou injeções, disponível gratuitamente no SUS para populações de maior risco. A especialista reforça a necessidade urgente de conscientização e ação para reverter essa escalada silenciosa da sífilis no Brasil.

