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Síndrome de vira-lata, diz ministro do Turismo sobre críticas à COP30

# COP30 em Belém: Entre Críticas Internacionais e Defesa do Governo

A 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, que ocorre em Belém desde o dia 10 de novembro, transformou-se em um cenário de tensões políticas e operacionais que extrapolam as negociações climáticas. Enquanto o governo brasileiro tenta defender a organização do evento, críticas de segurança, infraestrutura e falta de representatividade expõem fragilidades na execução da conferência e acentuam contradições na postura ambiental do país.

As primeiras semanas do evento revelaram uma série de problemas que provocaram reação inédita da Organização das Nações Unidas. Após manifestantes invadirem a Blue Zone, a área restrita de negociação, na noite de terça-feira 11 de novembro, o secretário-executivo da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças do Clima, Simon Stiell, enviou carta formal ao governo brasileiro denunciando vulnerabilidades graves de segurança, incluindo portas sem proteção adequada, efetivo insuficiente e ausência de garantias de resposta às invasões. O documento descreveu a situação como “grave violação da estrutura de segurança estabelecida”.

Além dos problemas de segurança, a ONU apontou dificuldades operacionais consideradas atípicas para um evento dessa magnitude: falhas na refrigeração dos pavilhões, falta de água em banheiros, altas temperaturas e ar-condicionado inadequado. Delegações também relataram vazamentos de água em diferentes áreas da conferência. Em resposta, a Casa Civil rebateu algumas acusações, afirmando que novos aparelhos de ar-condicionado foram instalados e que o governo ampliou espaços de segurança e reforçou perímetros com gradis e barreiras metálicas.

A infraestrutura precária de Belém, porém, transcende os pavilhões da COP. Jornalistas estrangeiros foram assaltados no centro da capital, episódio que ganhou repercussão internacional e questionou a capacidade da cidade de hospedar evento de tal envergadura. Apesar de obras terem sido entregues, lideranças locais denunciaram baixa qualidade: asfalto que cedeu em regiões centrais, transporte público insuficiente, hotéis com preços elevados e serviços sobrecarregados. O deputado estadual Rogério Barra publicou vídeos mostrando falhas estruturais na região do Parque Linear da Nova Doca, com a frase: “Prometeram legado da COP 30, entregaram vergonha pra Belém”.

Esses problemas logísticos e de segurança tornaram-se um dos principais focos de desgaste para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que desde sua campanha prometeu protagonismo internacional em questões ambientais e planejava fazer da COP30 um marco da diplomacia verde brasileira. A intenção era colocar a Amazônia no centro do debate global, mas a realidade revelou contradições que comprometem a credibilidade do discurso oficial.

Gabriel Amaral, especialista em conferências climáticas, avalia que a infraestrutura deficiente transmite uma leitura imediata de fragilidade institucional. “Quando um país recebe um evento como a COP, o que está em jogo não é apenas logística, é reputação. Se a cidade transmite improviso e desorganização, a mensagem que fica é de fragilidade institucional”, explica. Ele também destaca que as dificuldades de acesso e os altos custos de participação prejudicam a representatividade, deixando de fora justamente os atores que deveriam estar no centro das discussões: comunidades amazônicas, organizações territoriais, pesquisadores locais e jovens lideranças.

A ausência de representatividade popular é particularmente evidente quando se observa a organização paralela da Cúpula dos Povos, evento que reúne cerca de 1,3 mil movimentos sociais, redes e organizações populares de todo o mundo até o dia 16 de novembro na Universidade Federal do Pará. O evento foi criado como resposta concreta ao que seus organizadores chamam de inércia e falta de compromisso das COPs oficiais. Esperava-se que mais de 30 mil pessoas passassem pela Cúpula, construída para constranger a COP30 e expor a omissão de países na tomada de decisão climática. Ayala Ferreira, integrante da comissão organizadora e do Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra, afirmou que a mobilização representa um levante da classe trabalhadora em resposta aos desafios postos pela conferência oficial.

Nas negociações climáticas propriamente ditas, a primeira semana encerrou-se sem consensos relevantes. Os impasses entre países ricos e em desenvolvimento se aprofundaram, alimentando temores de que a conferência tenha dificuldade para entregar resultados concretos. Enquanto nações desenvolvidas cobram compromissos mais contundentes e maior regularidade na apresentação de dados sobre emissões, países do Sul Global insistem que só poderão elevar ambições se houver garantia de recursos prometidos pelas economias mais ricas.

Os organizadores da Cúpula dos Povos, em carta final, criticaram o que chamam de “falsas soluções” e modelo capitalista de produção, denunciando o lobby de corporações nas negociações. Especialistas também observam que as conferências climáticas têm se transformado progressivamente em palcos políticos de projeção de imagem, com poucos resultados concretos. O espaço antes ocupado por pesquisadores e negociadores especializados passou a ser dividido com lideranças políticas em busca de influência, deslocando o foco da solução concreta para a aparência de articulação estratégica.

Diante das críticas, o governo brasileiro tenta defender a organização do evento. O ministro do Turismo, Celso Sabino, afirmou nesta segunda-feira, 17 de novembro, que as críticas à COP30 são decorrentes da “síndrome de vira-lata”, sugerindo que o Brasil estaria sendo excessivamente autocrítico. Em entrevista ao programa “Bom Dia, Ministro”, Sabino argumentou que as obras foram entregues no prazo, que o preço das hospedagens foi reduzido e que essa COP está melhor que as anteriores. O ministro destacou que Belém fica na porta da principal floresta tropical do planeta e possui peculiaridades inerentes à floresta tropical, como temperatura e umidade elevadas, associadas ao baixo desenvolvimento ainda presente na região.

“Para manter as florestas em pé, nós precisamos garantir às pessoas que vivem na floresta perspectivas de desenvolvimento financeiro, econômico, intelectual e político”, defendeu Sabino, argumentando que o desafio que o mundo precisa enfrentar passa exatamente por oferecer oportunidades de desenvolvimento às populações que residem nas florestas.

Contudo, essa argumentação contrasta com a realidade observada em Belém, onde o preço elevado das hospedagens, a insegurança nas ruas e a infraestrutura precária tornaram o acesso ao evento logisticamente complexo e financeiramente proibitivo para muitos. As contradições entre o discurso ambiental do Brasil e as práticas concretas de organização da COP30 revelam tensões profundas que ultrapassam questões meramente operacionais, tocando em questões fundamentais sobre quem participa das negociações climáticas globais e quem fica excluído das decisões que afetam o futuro do planeta.

Fonte: Agência Brasil – Matéria Original (Clique para ler)