Por ampla maioria, o Supremo Tribunal Federal decidiu derrubar, nesta sexta-feira, a decisão liminar do então ministro Luís Roberto Barroso que autorizava enfermeiros e técnicos em enfermagem a realizar abortos nos casos previstos em lei, como estupro, risco à saúde da gestante e anencefalia fetal. O placar foi de 10 votos a 1, revertendo a medida tomada por Barroso em seu último dia na Corte, antes de sua aposentadoria antecipada.
A liminar de Barroso visava ampliar o acesso das mulheres ao aborto legal, especialmente diante das dificuldades de atendimento nos serviços públicos de saúde. O ministro argumentou que, em procedimentos medicamentosos da fase inicial da gestação, enfermeiros poderiam atuar dentro dos limites de sua formação profissional. A decisão também suspendia ações penais, administrativas ou judiciais contra esses profissionais quando atuassem nos casos já permitidos por lei. Barroso ainda destacou a ausência de menção a enfermeiros no artigo 128 do Código Penal, que trata do assunto, o que, segundo ele, poderia deixar esses profissionais vulneráveis a punições arbitrárias.
A questão chegou ao STF por meio de ações protocoladas por entidades da sociedade civil, que apontaram as falhas na assistência às mulheres que buscam o aborto legal em hospitais públicos. O debate, entretanto, foi rapidamente redirecionado para o mérito da urgência e da necessidade de uma medida provisória. O ministro Gilmar Mendes, relator do caso, divergiu de Barroso ao afirmar que não havia motivos urgentes para justificar uma decisão liminar, tampouco para ampliar, por via judicial, a atuação de profissionais de enfermagem nesses procedimentos. Seu entendimento foi seguido pela maioria dos demais ministros, que reafirmaram a atual legislação: apenas médicos estão autorizados a conduzir abortos legais, com apoio técnico de equipes sob sua supervisão.
A divergência no Supremo evidencia não apenas uma discussão técnica sobre competências profissionais, mas também o contexto político e social mais amplo sobre o acesso à saúde reprodutiva no país. Para os ministros da maioria, a interpretação literal do Código Penal deve ser mantida, preservando a segurança jurídica no tema. Já para Barroso, a ausência de enfermeiros na lei abre uma brecha para a criminalização indevida desses profissionais e, de quebra, dificulta o acesso das mulheres a um direito já reconhecido.
O caso ocorre em paralelo a outro julgamento de grande repercussão no STF, que discute a descriminalização do aborto até a 12ª semana de gestação. Barroso, já em seus últimos dias no tribunal, votou favoravelmente a essa proposta, seguindo o que sempre defendeu como figura pública. No entanto, o julgamento foi suspenso por pedido de destaque, sem data para retomada, mantendo a legislação vigente e adiando novamente um debate social que segue polarizado.
Com a decisão desta sexta, a participação de enfermeiros e técnicos de enfermagem em procedimentos de aborto legal volta a ser expressamente vedada no Brasil. A medida adotada por Barroso foi revista e perdeu efeito imediato. O episódio revela, mais uma vez, a centralidade do STF no debate sobre direitos reprodutivos e os limites entre a atuação dos três Poderes no país, além de ressoar entre profissionais de saúde, movimentos sociais e a opinião pública, que acompanham de perto os desdobramentos de uma das pautas mais sensíveis da sociedade brasileira contemporânea.

