O Supremo Tribunal Federal (STF) iniciou nesta quarta-feira, 10 de dezembro de 2025, o julgamento de quatro processos que envolvem a controvérsia sobre o marco temporal para a demarcação de terras indígenas no Brasil. A sessão foi dedicada à apresentação das sustentações orais das partes envolvidas, com a data da votação dos ministros a ser definida em momento posterior.
A tese do marco temporal estabelece que as terras indígenas só podem ser reconhecidas e demarcadas se os povos estivessem em sua posse na data da promulgação da Constituição Federal, em 5 de outubro de 1988, ou se as terras estivessem sob disputa judicial naquela época. Em 2023, o STF declarou essa tese inconstitucional, decisão que provocou grande debate político. Naquele ano, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva vetou um projeto de lei aprovado pelo Congresso que validava o marco temporal, mas o veto presidencial foi derrubado pelos parlamentares, restabelecendo a norma na esfera legal.
Após essa revalidação pelo Congresso, partidos como PL, PP e Republicanos ingressaram com ações no Supremo para manter a validade da lei que defende o marco temporal. Em contrapartida, entidades indígenas e partidos governistas recorreram ao STF para contestar a constitucionalidade da medida, defendendo que o direito dos povos originários às suas terras não pode ser limitado a uma data fixa, pois desconsidera históricos processos de expulsão e deslocamento forçado ocorridos antes da Constituição.
Antes de retomar o julgamento, o STF tentou promover uma comissão de conciliação entre as partes, convocada pelo ministro Gilmar Mendes, relator das ações. Contudo, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), principal entidade representativa dos indígenas, abandonou a tentativa de conciliação por considerar que não havia igualdade no debate.
A pauta acontece em um momento delicado de intensificação do conflito entre os Poderes Legislativo e Judiciário, sobretudo após o Senado aprovar em votação plenária uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que também institui o marco temporal como critério para a demarcação de terras indígenas. Essa aprovação gerou um impasse institucional, já que a PEC tem força superior a uma lei ordinária e contraria o entendimento já manifestado pelo STF. A mobilização social dos povos indígenas ocorre em paralelo, com protestos e atos convocados para pressionar pela manutenção dos direitos tradicionais à terra, conforme previsto na Constituição de 1988.
Além da discussão sobre o marco temporal, está em jogo o direito originário dos povos indígenas ao reconhecimento e à demarcação de seus territórios, previsto no artigo 231 da Constituição, que os assegura o usufruto exclusivo das terras que tradicionalmente ocupam, incluindo sua proteção contra invasões e exploração econômica de terceiros. A Lei 14.701/2023, chamada pelo movimento indígena de “Lei do Genocídio Indígena”, é vista por essas entidades como uma norma que, além de institucionalizar a tese do marco temporal, abre os territórios indígenas à exploração econômica do agronegócio e da mineração, promovendo retrocessos históricos e aumento da violência contra essas comunidades.
O julgamento no STF é acompanhado com grande expectativa por toda a sociedade brasileira, dado seu impacto direto sobre os direitos constitucionais dos povos indígenas, sobre a preservação ambiental e sobre as relações institucionais no país. A decisão da Corte poderá reafirmar ou modificar o entendimento sobre a demarcação das terras indígenas, definindo rumos importantes para a proteção dos direitos originários desses povos e para o cumprimento do Estado Democrático de Direito no Brasil.

