Corpos enfileirados, veículos em chamas, munição riscando o céu e drones lançando explosivos: assim se desenhou a cena da Operação Contenção, deflagrada no dia 28 de outubro de 2025 nos complexos da Penha e do Alemão, na zona norte do Rio de Janeiro. A ação policial de grande escala, conduzida por cerca de 2.500 agentes estaduais, visava conter o avanço do Comando Vermelho, principal facção criminosa da região, com mandados de prisão em 26 comunidades. O confronto intenso e prolongado resultou na maior operação policial da história do país em termos de letalidade, com pelo menos 132 mortes, incluindo quatro policiais.
As imagens da operação circularam globalmente, mostrando cenas de guerra urbana e expondo a vulnerabilidade da população local. Barricadas improvisadas, ônibus atravessados bloqueando ruas e uso de drones armados ilustraram um cenário caótico, que extrapolou o limite da segurança pública para se aproximar de um conflito armado. Ao longo do dia, gangues incendiavam veículos e lançavam bombas caseiras contra as forças especiais, que responderam com prisões, apreensão de mais de uma tonelada de drogas e 118 armas, incluindo 93 fuzis.
No entanto, apesar dos números oficiais e da declaração de sucesso do governador Cláudio Castro, o alvo principal da operação – o líder do Comando Vermelho conhecido como Doca – não foi capturado. O alto número de mortos e relatos de violência desmedida despertaram críticas de especialistas, movimentos sociais e entidades de direitos humanos. Para a Comissão de Direitos Humanos estadual, a operação configurou um “massacre”, evocando demandas por perícias no local e questionamentos sobre o uso excessivo da força, tortura e execuções extrajudiciais.
O impacto da operação vai além do confronto armado e das prisões. Especialistas ouvidos destacam que a violência urbana tem repercussões profundas e duradouras na saúde mental da população, especialmente de crianças e adolescentes. A psicóloga Marilda Lipp explica que a exposição contínua à violência eleva o estresse a níveis extremos, desgastando o sistema nervoso e podendo gerar ansiedade crônica, depressão e uma série de sintomas físicos como taquicardia, distúrbios do sono e dificuldade de concentração. Esse estado de permanente alerta compromete o desenvolvimento psicossocial e pode afetar inclusive pessoas que não foram diretamente expostas aos eventos, mas vivem sob a sensação de insegurança e impotência.
O psiquiatra Octávio Domont, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, complementa ressaltando a dimensão coletiva do sofrimento gerado por tais operações. Alertando para o aumento da demanda nos serviços de saúde pública após episódios violentos, ele destaca a importância da preparação dos profissionais para oferecer acolhimento e cuidados que evitem o agravamento dos sintomas, sobretudo diante da perspectiva de que essas situações se repitam por ausência de soluções eficazes para a segurança pública.
Enquanto as famílias encontram-se em luto, com enterros iniciados e a comunidade ainda chocada pela violência dos fatos, o debate se aprofunda sobre os custos humanos e sociais de uma estratégia de segurança que, segundo críticos, privilegia o confronto armado em detrimento de políticas estruturais e sociais mais amplas. A operação nos complexos do Alemão e da Penha expôs, de forma trágica, as falhas e desafios do combate ao crime organizado, bem como o impacto devastador da violência sobre a saúde física e mental da população carioca.

