# Uso de Drogas no Brasil Triplicou entre Mulheres na Última Década, Aponta Levantamento Nacional
Cerca de um em cada cinco brasileiros (18,7%) já experimentou substâncias psicoativas ilícitas ao menos uma vez na vida, segundo o Terceiro Levantamento Nacional de Álcool e Drogas (Lenad III), coordenado pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e realizado entre 2022 e 2024. O estudo, que investigou 16.608 questionários respondidos por maiores de 16 anos, revela um cenário de expansão do consumo particularmente preocupante entre adolescentes e mulheres, com mudanças significativas no perfil dos usuários em relação ao levantamento anterior de 2012.
Os números globais mascaram uma transformação dramática quando desagregados por gênero. Enquanto 23,9% dos homens já usaram drogas ilícitas ao menos uma vez, entre as mulheres o índice é de 13,9%. Porém, a tendência temporal inverte essa lógica: entre adultos, o consumo geral saltou de 6,3% em 2012 para 15,8% em 2023, mas o crescimento foi muito mais acentuado entre as mulheres, onde a prevalência triplicou, evoluindo de 3% para 10,6%. Atualmente, cerca de 8,1% da população brasileira, o equivalente a mais de 13 milhões de pessoas, fez uso de substâncias ilícitas até um ano antes da pesquisa.
Entre os grupos mais jovens, o quadro é ainda mais alarmante. Entre meninas adolescentes (menores de idade), a quantidade que experimentou drogas foi superior à de meninos. O levantamento demonstra uma transformação clara no padrão de consumo: entre adolescentes do sexo feminino com idades entre 14 e 17 anos, a proporção que relatou ter usado cannabis ao menos uma vez na vida passou de 2,1% para 7,9%, um crescimento de quase quatro vezes. Para meninos da mesma faixa etária, o movimento foi inverso, com a prevalência caindo de 7,3% em 2012 para 4,6% em 2023.
“Os achados do Lenad apontam os grupos em maior risco quanto ao consumo problemático de drogas no país, ficando clara a necessidade de priorizarmos as meninas, em especial as mais jovens”, comentou a pesquisadora Clarice Madruga, uma das responsáveis pelo estudo. Essa observação reforça que não se trata apenas de crescimento quantitativo, mas de mudança qualitativa no perfil epidemiológico do consumo de drogas no Brasil.
A cannabis permanece como a substância ilícita mais consumida no país, consolidando sua posição de droga de maior prevalência. Aproximadamente 28 milhões de brasileiros com 14 anos ou mais já usaram cannabis na vida, correspondendo a 15,8% da população—o dobro do índice auferido em 2012. Mais de 10 milhões de brasileiros consumiram a substância nos últimos 12 meses. Entre os usuários de cannabis, mais da metade (54%) relataram usar diariamente por pelo menos duas semanas consecutivas, equivalente a 3,3% da população ou mais de 3,9 milhões de brasileiros. Aproximadamente 2 milhões de brasileiros preenchem os critérios diagnósticos para dependência de cannabis, o que representa 1,2% da população ou 1 de cada 3 usuários.
A preocupação com adolescentes se intensifica quando observados os indicadores de gravidade. Cerca de 3% dos usuários de cannabis já procuraram emergência devido ao consumo, mas entre adolescentes esse número salta para 7,4%—um indicador que os pesquisadores associam a maior vulnerabilidade a intoxicações e crises agudas. Além disso, o levantamento identificou a presença crescente de canabinoides sintéticos, conhecidos como “drogas K”, que foram citados por 5,4% dos usuários de cannabis, proporção que sobe para 11,6% entre adolescentes. Essas substâncias apresentam riscos adicionais devido à maior potência e composição química incerta.
O panorama de drogas sintéticas se expande além dos canabinoides. O consumo de ecstasy aumentou de 0,76% para 2,20% da população, enquanto o uso de alucinógenos evoluiu de 1,0% para 2,1%. Os estimulantes sintéticos (ATS) ampliaram de 2,7% para 4,6%, evidenciando um mercado de drogas progressivamente mais complexo e diversificado.
Quanto às drogas tradicional e historicamente relevantes no Brasil, os dados revelam padrões distintos. A cocaína apresenta prevalência de 5,38% na população (aproximadamente 9,3 milhões de brasileiros) para uso na vida, representando aumento comparado aos 3,88% em 2012. Porém, o uso nos últimos 12 meses manteve-se praticamente estável em 1,78%, similar aos 1,77% de 2012. O crack, por sua vez, registra uso na vida de 1,4% (aproximadamente 2,32 milhões de pessoas), próximo ao índice de 2012, e uso no último ano de 0,5%, similar aos 0,64% de 2012. Combinadas, cocaína e/ou crack atingem 6,60% da população em uso na vida e 2,20% em uso no último ano. Apesar dessa relativa estabilidade, o Centro-Oeste apresenta as maiores prevalências de consumo dessas substâncias.
Geograficamente, as regiões Sul e Sudeste concentram os maiores índices de consumo de substâncias ilícitas. Há também forte concentração do consumo entre jovens, particularmente adultos na faixa etária de 18 a 34 anos. Situando o Brasil no cenário internacional, o levantamento indica que o país ocupa posição intermediária em prevalências de uso de drogas, mas combina esse nível com uma elevada carga de transtornos entre usuários, produzindo impacto substantivo sobre a rede de atenção psicossocial, serviços de urgência e emergência, e políticas setoriais.
A questão de gênero, porém, transcende os números brutos de consumo. Pesquisas qualitativas complementares indicam que mulheres usuárias de crack enfrentam vulnerabilidades distintas da dos homens. Entre mulheres usuárias de crack, 88,6% fumam comparado a 78,2% dos homens. Em relação às práticas sexuais, 62,9% das usuárias de crack no Rio e em Salvador não utilizam camisinha, contra 60,5% dos homens. Mais preocupante ainda, a troca de sexo por crack é praticada por 28,6% das mulheres, ante 4% dos homens. Estudos também mostram que mulheres usuárias de crack fazem uso mais intensivo da droga, com média de consumo diário de 21 pedras comparado a 13 pedras para homens. Quase metade das mulheres nessa situação reportou ter sofrido violência sexual pelo menos uma vez na vida.
Os pesquisadores enfatizam que esses resultados reforçam a centralidade da vigilância epidemiológica em álcool e outras drogas como função permanente do sistema de saúde e de proteção social. Para eles, a pesquisa demonstra a importância de manter a sociedade e os gestores informados, orientando políticas de atendimento que sejam mais sensíveis a gênero, integradas à promoção de saúde mental e à redução de violência e discriminação. A expansão do consumo, particularmente entre adolescentes do sexo feminino, e a crescente presença de substâncias sintéticas sinalizam a necessidade de estratégias preventivas repensadas e adaptadas aos novos desafios epidemiológicos do país.

